segunda-feira, março 06, 2006

360º



360º volvidos, um círculo fechado que começa e termina em Puerto Montt. A 16 de Fevereiro tomei o sul como destino (encantado pelo apelo da carretera austral) e a 4 de Março concluí esta volta, num curto regresso de cinco dias (um deles com apelido "marítimo").

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Desde Chonchi, último relato conhecido da radiofrequëncia apadrinhada pelo espinhoso arbusto de Atacama, pedalei facilmente até Castro, a cerca de 20 Km.


_Caminho a Castro.

Aí estive uma parte da manhä. Visitei a igreja, tomei o café que desejei em todos os quilómetros das primeiras horas desse dia e comprei um livro sobre uma viagem através de um "sendero" criado há quatro séculos pelos "tejueleros" que trabalharam na construçäo das igrejas de Chiloe. Por este caminho, aberto em compacta floresta, chegavam à mata de alerces.
Agora, parte integrante do Parque Nacional de Chiloe, parece continuar a ser um grande desafio, pela morfologia do terreno, a densidade do bosque e os cursos de água (com variaçöes imprevisíveis de caudal) que é necessário vadear. Começa a cerca de 15 a norte de Castro, no sector de Pid Pid, e, para Oeste, termina na foz do rio Abtao, no Pacífico.
Uma sugestäo para outra visita...



_"Palafitos" de Castro.

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A Iglesia de San Francisco (Património da Humanidade) foi construída pelos franciscanos, sucessores dos jesuítas, em substituicäo das igrejas que se incendiaram em 1861 e 1902.
Projectada pelo arquitecto italiano Eduardo Provasoli, a sua construcäo estava prevista em alvenaria mas acbou por ser realizada totalmente em madeira por artesäos locais.
Num dia de sol, como aquele em que a visitei, todo o trabalho em madeira resplandece com a luz e a cor filtrada pelas rosáceas.
O exterior está revestido por chapas pintadas de ferro zincado.






_Iglesia de San Franscisco. Castro.

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De Castro, avancei cerca de 15Km para Norte, abandonando a ruta 5, para Este e para Dalcahue (a 22 Km).


_Chegada a Dalcahue.

Aí comi parte do carregamento de pëssegos que transportava. Aliviei a carga dos alforges, transferindo-a e sujeitando-a ao processo digestivo do ciclista.
Visitei o mercado tradicional de "artesanos", junto ao cais. Estive tentado a ver o fundo da gamela de um caldo de marisco. A tempo, achei exagerada a "alabanza" e näo cheguei a empurrar nenhuma das sugestivas portas das "cocinerias del puerto".


_Mercado de Artesanos de Dalcahue.


_Cocinerias del Puerto. Dalcahue.

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_Iglesia de Nuestra Señora de Los Dolores, 1858 (Património da Humanidade) e museu religioso. Dalcahue.

Desde Dalcahue, uma empinada subida leva ao cruzamento "donde esta la Virgen" e aí comeca a estrada de rípio (terra semi-compactada com pedra).
Inicialmente para Este e depois para Norte,a partir de Tocoihue, trata-se de um percurso exageradamente ondulado com tráfego intenso que, com geológicos projectéis, desafia a integridade das minhas canelas e me envolve em mastigáveis nuvens de pó que duram... e perduram. Desço e subo constantemente.



Passo por vários cruzamentos que levam a pequenos "pueblos" junto ao mar. Näo tomo a direccäo de nenhum porque quero chegar a Quemchi ainda esse dia e me apercebo que o nível da empreitada é bem mais alto do que pensava. Pedalar neste tipo de terreno, ao longo de 50Km, em que o atrito nunca deixa de desafiar a cadëncia pedaleira, agravado pelas sucessivas subidas e descidas, revela-se um desafio fora do "presupuesto".


_Construçäo de uma ponte.

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Felizmente, para além das paisagens (pequenas propriedades de cultivo e uma ou outra vista de mar) encontro outros pontos de interesse.
Entrei num estaleiro para apreciar um barco em construcäo. Conheci um rapazito que me disse que era o avö que os construia. Andava "fugido" de uma anunciada sova da mäe. Quando ela o chamava, escondia-se num canavial onde ia conversando comigo. Tornei-me amigo da causa (sem conhecer os pormenores ao processo), fazendo os possíveis por näo o delatar.
Disse-me que demoravam um a dois meses para concluir uma embarcacäo. Quando lhe perguntei como os levavam para o mar (porque ali só havia um pequeno arroio, näo navegável) respondeu: "se los tiran".(?)




_Estaleiro naval.


_Pregos de cobre.

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Cheguei a Quemchi com muito mais lua que sol. Até os 2 ou 3 Km, que antes da povoaçäo já säo asfaltados, requerem várias vezes a combinaçäo extrema da transmissäo para as mais íngremes subidas. A pequena roda pedaleira e a irmä maior do conjunto da "cassete" näo se podem queixar de falta de uso.
Estava cansado e satisfeito. Tinha cumprido o objectivo e chegado à terra berço de Francisco Coloane.
Fiz um pequeno "recorrido" pela "Costalera". Averiguei possíveis lugares para uma recompensa gastronómica e outros onde me entregar a um posterior e horizontal descanso.
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No restaurante "El Chejo" dei como terminada a escolha. Salmäo também fez parte do investimento. A senhora que me serviu era bem simpática e recebeu-me com um largo sorriso. Só depois percebi que a origem desse relaxamento facial se deveria também ao meu estado. Um espelho da casa-de-banho (sem água, por um corte temporário) revelou que tinha a testa toda negra (pó devidamente aglutinado com suor), o "penteado" bem definido pelos respiradores do capacete, as pestanas e a barba como prateleiras de um pó fino e claro. De pouco serviu recorrer às torneiras. Papel e uma limpeza "a seco" remediaram a aparëncia.
No final da refeicäo (que estava óptima e suficiente para reconfortar as mazelas do esforco que a precedeu) uns rapazes de outra mesa convidaram-me a partilhar das suas "litronas" de cerveja. Näo tardei em aceitar o convite.
Ao sair já tinha a sugerëncia quanto ao local mais económico para dormir: "en el hospedaje delante de carabineros".


_Restaurante "El Chenjo". Quemchi.

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Ao ver estacionada uma carrinha "destartelada" de carabineros, com pelo menos um pneu em baixo, percebi que aí devia ser o local.
Toquei á campainha e, antes de mais, fui recebido com um aperto de mäo. Como sempre, tentei baixar o preco inicial, conseguindo, em 1000 pesos. Pagaria 4000 pesos (menos de 7 euros) por essa noite.
Trata-se de uma grande casa com dois pisos. O "baño" está no rés-do-chäo. Ainda näo há água. O duche fica adiado. É uma pena pois os lencóis estavam bem brancos.
Foi-me fornecido um balde, "para que no tengas que bajar al baño por la noche".
Antes de dormir coloquei a informacäo mais ou menos "al dia" com a leitura de "La Tercera" (um jornal chileno).
O sono foi reparador mas muito interrompido por uma demorada sessäo de encontros e discussöes caninas no terreno vizinho.


_"Hospedaje" em Quemchi.

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Pela manhä já havia água mas näo vontade de banho. "Que hacer?", uma pessoa habitua-se...


_"Negocio" na calle 18 de Septiembre. Quemchi.

Preocupei-me mais em sair para comer. Comprei a dose diária de päo, queijo, iogurtes e fruta no "supermercado Casa Vera". Comi junto ao tosco busto de Coloane (a única referëncia que encontrei) e "juntos" observámos a placidez das águas e os dorsos a descoberto dos barcos atracados em maré baixa.


_Busto de Francisco Coloane. Quemchi.

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Tentei tomar um café no "El Chejo" mas ainda estavam em tarefas de "aseo".
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A saída de Quemchi, para Oeste, ao encontro da ruta 5, começa com uma desafiadora subida e sempre assim será (descida/subida) ao longo de 22 Km até ao cruzamento ao nível de Degán.


_Degán, ruta 5.

De novo para Norte ao longo da ruta 5 pontuo a "cicletada" com o café adiado desde Quemchi. Trata-se de um restaurante daqueles que servem generosos menús para os profissionais do volante e onde se lê numa das paredes, quanto à preferência desse lugar: "cientos de camioneros no pueden estar equivocados".
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Chego a Ancud ainda cedo.
Passeio pela "costalera" e vou seguindo indicaçöes de campings.
Encontro um belo local, com uma grande vista sobre o mar. Numa cabana alugada está uma família de holandeses. Um rapazito vem dizer-me, num castelhano bastante entendível, que era o dia do seu aniversário. Fazia 6 anos.


_Camping em Ancud.

Deixo a bicicleta e caminho até à cidade.
Como uma "paila marina" (sopa com distintas variedades de marisco) no restaurante "El cangrejo".
"Gasto" o resto do dia na Plaza de Armas assistindo a jogos de matraquilhos e regresso ao camping onde dormi sobre uma superfície de cimento e abrigado pela copa de uma árvore. A noite foi bastante húmida. A parte näo coberta do saco-cama estava bem molhada, assim como a bicicleta e a roupa que tinha lavado. Como saí tarde acabou por secar tudo com o impiedoso sol da manhä. Que diferente era o clima de Puerto Cisnes!...


_Ancud.

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Parti sem pressas. Sempre esperando a dose diária de subidas que caracterizou os dias anteriores de Chiloe.
Há uma subida poucos quilómetros depois de Ancud mas a partir daí o trajecto é muito rolante e o vento também andava de feiçäo.
Volvidos 15 Km encontro o "Parque Ecológico e Mitológico de Chiloe".


_"Bienvenidos al bosque maravilloso".

Trata-se de uma pequena área (1,5 hectares?) onde um senhor construiu um parque botänico e "povoou" o percurso com referências aos mitos de Chiloe. Há uma parte onde existe um bosque com todas as árvores existentes na ilha. Um alerce com cerca de 1 metro de altura tem... 40 anos.
Como despedida, conheci a casa onde vive (quando me encheu a garrafa com sumo). Foi construída por si. Ele näo tem origens em Chiloe. Um dia percebeu que Santiago já näo o podia acolher, comprou este terreno e foi trabalhando-o para receber visitas, sobretudo de escolas. Aí vive há 11 anos.
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Cheguei ao porto de Chacao por volta das 3 da tarde. Parecia possível chegar a Puerto Montt nesse dia.
Mal cheguei ao cais havia um ferry pronto a partir. Para variar, näo consegui nenhuma carrinha que me levasse a bicicleta e paguei 1500 pesos pelo transporte da mesma. O "condutor" vai incluído.


_Porto de Pargua (já no continente).

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Com o pé no continente separava-me uma distância de 59 Km a Puerto Montt (afinal, os 95 Km que pensava säo contados desde Ancud e näo desde Chacao).
O vento continua a colaborar. Há extensas rectas de terreno plano. O trânsito é muito intenso mas as bermas säo largas e garantem a segurança.
Chego a Puerto Montt ao anoitecer.
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Alojo-me na mesma casa onde deixei guardada uma mochila. O nível de ocupaçäo está "a tope". Já näo fico no quarto com o poster dos "Kiss". Desta vez calha-me um anexo onde através de um labiríntico e estreito corredor existe um quarto, no sótäo. Em vez do poster está afixado um recorte da... Playboy.
Junto à porta deste segundo edifício fica a casota da "Lassie", uma collie com uma ninhada (de 3 dias) de 9 cachorros.
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O dia seguinte é de temporal (felizmente fiz a ligaçäo de Ancud no dia anterior).
Compro bilhete para Santiago e viajarei no final do dia. Escolho outra companhia para juntar ao extenso rol. Agora foi "Cidher Bus".
Há que passar todo o dia em Puerto Montt.
Esta cidade parece sempre rejeitar-me. A primeira vez foi o roubo, a segunda passei muito tempo a tentar resolver um problema bancário quando os "cajeros" deixaram de colaborar com o meu cartäo. A terceira, foi este dia muito chuvoso. As hipóteses de recreio já eram escassas e com este tempo tudo se agrava.
As horas väo passando pelas páginas de "La huella del Abtao", cafés, empanadas de manzana, a "libreria de Falabella"...
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O autocarro parte às 19h15 e chego a Santiago às 8h00 da manhä. Cobram 2500 pesos pelo transporte da bicicleta por näo ser considerada "equipaje convencional".
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Às 10h00 encontro-me com o Mauro (os amigos que tinha feito em San Pedro de Atacama...) em frente ao Estádio Nacional, onde há poucos dias estiveram os U2.


_Santiago. Como a "Praça do Chile", em Lisboa.

Estes novos amigos recebem-me com toda a sua simpatia. Voltei a brincar com o Matias (4 anos) que me chama dizendo: "quiero jugar con tu".
Ele "cedeu-me" o seu quarto, onde é impossível alguém sentir-se só. Durmo muito bem acompanhado pelos personagens de "Madagascar", "Las locuras de Konk", "Los 4 fantasticos", pela "Minnie", o "Donald", o "Gooffy"... Também está o "Chicken Little" e o "Winnie the Pooh". À entrada, näo há que enganar, na porta pode ler-se: "Matias, el más bakan!!!".
Para esgotar todo o risco da falta de companhia, a Kuky (uma cadelita de 9 anos) dorme aos meus pés.
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Tenho andado sempre com o Mauro, a "carretear" pela cidade. Fazemos os possíveis por reconhecer todas as marcas chilenas de cerveja. Desde a Plaza Ñuñoa, aos sucessivos bares do bairro Bellavista. Decididamente, "La Nona" tem o registo da melhor frequëncia.


_Pátio em "Providencia", Santiago.


_Mauro.

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Ontem participámos numa "cicletada" de protesto pela criaçäo de ciclovias na cidade.
Foi organizada pelo movimento "Furiosos ciclistas" e realiza-se todos os meses.




No final devíamos ser umas 4 centenas. Os carabineros däo apoio na regularizaçäo do trânsito. O objectivo é pedalar por um circuito determinado, fazendo bastante ruído.
O trânsito complica-se bastante já que ocupamos todas as faixas de largas avenidas.
Como era véspera do Dia Mundial da Mulher, distribuíamos flores junto com folhetos reivindicativos.



Muito barulho e slogans tipo: "Llovendo, nevando, en auto ni cagando" ou "Ya van a ver cuando los ciclistas tomen el poder".



_Também estavam "Los choperos"...

A volta termina já de noite em frente ao Museu Nacional de Bellas Artes. Foi lido um comunicado com os "logros" que se väo conseguindo e o apelo a uma viagem a Valparaíso, a cerca de 130 Km. Aí vai ser a tomada de posse de Bachelet, dia 11. Os ciclistas faräo o trajecto de noite. Julgo que vai ter bastante impacto se a cobertura for adequada.
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As nossas bicicletas acabaram encostadas na grade em frente a "La Nona" onde nos hidratámos e nivelámos de novo as energias perdidas com uma dose "contundente" de "Chorrillana" (batatas fritas, com carne, enchidos e ovo).
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Este ainda näo é um último relato de emissäo. Haverá uma espécie de "despedida oficial" nos próximos dias. Enquanto näo recolher o "trem de descolagem" do aviäo da Air Madrid, tudo será matéria para Rádio Tamarugo.
Muito obrigado a todos por participarem e continuarem sintonizados.

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

OLÁ, João!
Sintonizada, sim , sempre.Até às últimas notícias de Rádio Tamarugo. Com que então " La nonna "!! Aí Bachelet toma posse dia 11. Tu quase que não falhavas a do nosso novo presidente - amanhã, 9.
Boa viagem de regresso!
Beijinhos Tia

3:05 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

hola hermano del camino este encuentro llega a su fin han sido un par de dias de duro pedaleo , cerveja y comida, ahora tu debes estar arreglando tus cosas para el viaje a unos 3 metros de donde yo estoy , por primera ves viendo tu blog, la vida nos cambia a cada segundo pero hay momentos en que esos segundos en silencio o con el ruido de las bicis o con la musica de un bar se hace eterno.
agradecido de la vida por conocerte y por poder compartir tu tiempo , y aprender tanto , pues creo que solo un corazon noble puede entregar tanto sin dar nada.

por eso salud y si no nos vemos en cuerpo siempres estaran los recuerdos que algun dia haran sonreir a los nietos

chau un abrazo y buena caza

primer y ultimo menzaje lo demas es solo cenizas que recorren los recuerdos de una mente destellante y deseoza de vida de vivir la vida y nada mas

mauro (el loco mordok)

10:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Grande João,

Fico contente que tenhas concretizado mais uma aventura e pelo que li não deves ficar por aqui...Desejo-te uma boa viagem e um grande abraço.

Nuno Marzia

3:15 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Näo sei se irás a tempo de ler mas ainda assim deixo um beijo de força para o teu regresso pelos ares.
Filipa

5:01 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

UN ABRAZO JOAO ESPERO QUE HAYAS LLEGADO BIEN

LUCY

11:50 da manhã  

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