domingo, janeiro 22, 2006

Ruta 1



Estou em San Pedro de Atacama, já estive em Tocopilla (onde foi escrito o post de Iquique).
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Cheguei a Tocopilla ao final de tres dias de "ruta", onde me afastei da Panamericana (Ruta 5), tendo tomado a Nr.1, costeira e construída há apenas cerca de 10 anos (segundo uma única informacäo, näo confirmada e com uma expressäo pouco segura no momento da transmissäo).
Este relato deverá abranger esses trës dias de viagem.
(este teclado näo tem acentos graves nem circunflexos, nem "c" com cedilha, para além do "til" ser substituído pelo trema, como usual).
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O primeiro dia que voltei a pedalar, depois da sequidäo empinada e temperada a vento (que vinha ao meu encontro com os braços bem abertos) dos 4 dias entre Arica e Iquique antevia-se fácil. Tinha descansado 2 dias. O repouso, aliado á presença do mar como elemento novo de companhia, seriam dados suficientes para fazer acreditar em bons momentos.
Para manter a coerencia dos acontecimentos, este dia também näo faltou á chamada na lista de surpresas.
Primeiro, confirmei que a costa é acompanhada de vento e bem forte, que a partir do meio-dia näo deixa de soprar com forca e lembrar que, ao vir para ficar, veio também para me dificultar a progressäo. É preciso estar constantemente a pedalar para manter uma estupenda velocidade média de 11Km/h.
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Encontrei um cemitério de "mascotas" num terreno isolado e sobre o mar. Há dedicatórias muito bonitas a "companheiros" que se tornaram parte da família.




_Cemitério de "mascotas"

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A seguir veio a surpresa do dia. No primeiro restaurante que encontrei na beira da estrada estava um grande placard a anunciar "empanadas"! Já vinha a pensar nelas há algum tempo e a ocasiäo näo podia ser melhor. Era altura de fazer uma pausa e nada melhor do que degustar uma destas especialidades.
Escolhi de marisco e muito bem me soube, enquanto via o mar desde um terraco com a melhor das localizacöes.
Até aqui tudo bem. Volto á estrada e, passado pouco tempo, comeco a sentir fortes pontadas no estomago e alguma falta de ar. Sensacoes pouco convenientes para o desolado espaco físico em que me encontrava, a hora do dia (15h00), e o meio de locomocäo.
Apercebo-me que me faltaräo 10 km até á seguinte área povoada (aeroporto Diego de Aracena, a 30 Km de Iquique) e para aí chamo o esforco e o que resta do alento.
Depois de tentar "negociar" a entrada no parque do aeroporto com o vigia da cancela lá nos conseguimos entender e, por fim, anuiu que talvez näo fizesse grande sentido eu tirar uma senha de parqueamento.
Encostei a bicicleta numa "caseta" encerrada de "rent a car" e subi ao primeiro andar, onde estava a cafetaria. O que queria era tomar alguma coisa com gás. Tinha a vista turva e antes de chegar ao balcäo näo consegui mais do que sentar-me e ainda apreciar como me olhavam com a expressäo de quem me julgava acabadinho de chegar, enviado em express mail, da area 51.
Fui á casa-de-banho e vi que tinha o pescoco com inúmeras bolhas e a pele cheia de manchas vermelhas. Näo havia grande dúvida, tratava-se de uma reaccäo alérgica ao marisco da empanada.
Quando consegui pedir uma lata de 7up, a reaccäo ao frio da embalagem também deu início a uma comichäo nas mäos que parecia näo querer parar.
Tudo se compoe e resta-me esperar que o calor abrande, que o organismo saiba lidar com as "novidades" e que o meu estado de desanimo seja um pouco varrido com o vento.
Estive cerca de 2 horas no exterior do aeroporto, no ponto de sombra com a melhor corrente de ar e também minimamente discreto.
Sinto-me bem de novo e volto a pedalar. O vento näo traz novidades e mantem a conversa cara a cara.
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Encontro dois motards que andam há 3 meses na estrada. Trocamos poucas palavras. Pergunto se posso tirar uma fotografia. O canadiano acede gentilmente. O americano, na dosagem extrema de simpatia... vira costas.



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Este dia tinha pensado chegar a Caleta Patillos. Tinha visto no mapa e me pareceu, pela forma como estava assinalado, um sítio maior e onde poderia encontrar abastecimentos.
Quando chego, ao fim de 65 Km da "luta" que já conhecemos, apercebo-me que é um grande porto industrial, nada de comércio, nada de povoacäo. Apenas um grande complexo transformador (näo cheguei a perceber de que) e muitos camiöes a entrar e a sair.
Faco mais 12 Km e dou-me por vencido em Caleta Cañamo.
É uma pobre povoacäo pesqueira. Tem apenas um pequeno "almacen" (onde compro 3 pacotes de sumo, para compensar o estomago e ingerir algumas vitaminas). Vou dormir para a praia, junto a outros campistas (com os inseparáveis geradores, nada silenciosos).
De madrugada ainda chegam mais veraneantes que vieram estrear uma aparelhagem e estacionaram a 5 metros de mim. Durante muito tempo houve festa (com muitas latas a brilhar pela manhä no areal). Ninguém dos que já dormiam reclamou e eu, campista adepto do relento também näo me pronunciei.
Foi um dia em cheio!


_Caleta Cañamo

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Dia seguinte. O sol desperta cedo a sua forca, sem nada que o impeca.
A vontade de pedalar näo anda gorda de motivacäo.
Fisicamente, já me sinto bem e nada debilitado pelo dia anterior. Tomo o último dos sumos como pequeno-almoco, esperando encontrar algum reforco na estrada.
A cerca de 10 Km encontro um restaurante, em Playa Aguila. Como decentemente. Parte das dentadas na sandes de queijo (enquanto molhava pedacos de päo no café com leite) foram intercaladas com palavras que serviam sobretudo de resposta a perguntas de um camionero que se sentou na minha mesa.
Ele terminou antes. Quando se despediu disse que o meu "desayuno" estava pago.
Palavras para que? Continuo a ter sorte nos encontros e a viver muita generosidade.


_Restaurante de "Playa Aguila"

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Depois veio uma grande subida e uma sesta em Caleta Rio Seco, onde mergulhadores faziam recoleccäo de marisco e uma camioneta carregava sob o controlo de um fiscal. Acho que apanham, sobretudo, ouricos.


_Caleta Rio Seco

Continuo sempre a ver o mar, no entanto o caminho vai-se afastando e aproximando, assim como os valores de cota näo primam pela estabilidade.
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Tomo banho no Pacífico, rodeado de alforrecas.
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_Cemitério abandonado da antiga povoacäo de Huanillos

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Cheguei já quase de noite onde tinha previsto chegar (Río Loa), ao fim de um dia com 86 Km.
Río Loa marca a transiccäo da I Regiäo para a II Regiäo chilenas. tem um controlo de aduana. Como já estava a escurecer, cheguei aí envergando o meu colete reflector. Era um estranho personagem que vestia parte da indumentária comum aos carabineros.
Aqui, todos os carros säo revistados e os passageiros dos autocarros tem que descer. As bagageiras säo despejadas e os sacos todos abertos.
Ao ciclista ninguém lhe fazia caso. Depois de estar bastante tempo junto a uma mesa, onde era suposto estar para ser controlado, tive que ir ao encontro de uma agente de aduana que olhou para a bicicleta, riu-se, näo revistou nada e, por fim, carimbou um quarto de A4 onde escreveu: "1 bicicleta". Assim passei o último controlo, entregando o papelito junto á cancela.
Passei ao outro lado da estrada, comi e fui dormir abrigado por uns montes de areia, nas traseiras da aduana.
O nome, Río Loa, deve-se ao que o próprio indica e, como tal, por aí se juntam muitos mosquitos que, com tanto espaco, vieram passar a noite a meu lado. Por volta das 5h00 da manhä levanta-se o vento e finalmente os indesejados väo-se embora.


_Amanhecer em Río Loa

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Outro dia e outro objectivo. Queria chegar a Tocopilla.
Continuo desanimado com o vento e com tantas horas em que näo dá descanso. Apesar das contrariedades, a visäo do mar é muito bonita, assim como o colorido dos cerros do lado Este.



Estes dias em bicicleta säo muito pouco estanques. Há espaco que dá lugar a bons e menos bons episódios. A momentos de animo e outros de puro esforco e contrariedade. O fiel da balanca inclina-se a um lado e a outro. Por fim, é esta esteira de caminho percorrido que vai dando forcas para continuar e consegue apagar os piores momentos, para trazer apenas as memórias das pequenas vitórias, ganhas pela teimosia de näo desistir e os felizes encontros que esta forma de viajar propicia.
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No momento em que o vento finalmente se decide pela direccao que tomará até o dia acabar (cerca do meio-dia), estava alegremente sentado a tomar um grande copo gelado de sumo de morango (seguido de uma taca de nescafé) debaixo do toldo de uma casa de praia.
Eram 5 primas, de meia-idade, que passam o Veräo em Caleta Punta Arenas. Quando procurava um "almacen", para comprar o néctar da ordem, fui chamado e convidado a sentar-me. Fiquei aí tanto tempo (pela quase nenhuma vontade de pedalar) que, a certa altura, acho que se esqueceram de mim e entraram numa enstusiasmada combinacäo acerca de uma festa em que tentariam reunir grande parte da família. Riam muito enquanto imaginavam o tipo de conversas que surgiriam. Aproveitei um curto momento de pausa para introduzir a minha despedida. Que simpáticas! Eram de Tocopilla.


_Caleta Punta Arenas
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Mais vento, sempre o mar. Zonas de rocha alternam com zonas de areal. Nestas praias há, muitas vezes, acampamentos. Trazem tudo de casa, colchöes de casal, frigoríficos, bidons com água potável, montam tendas "casa-de-banho", geradores, churrascos, música...


_"Acampamento" na praia.

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Para além de um pedal moído que acompanha a cadencia dos movimentos com um "crec-crec", o eixo traseiro (que já vai cumprindo a sua obrigacäo) comecou a dar sinais da vontade de entregar a alma ao criador (neste caso o Sr. Shimano, LX como galho geneológico) e a sinfonia ente este e o pedal era por demais irritante. Saio da estrada e, junto a uma falésia, comeco a tirar toda a carga para testar os efeitos duma limpeza do rolamento.
Fazia muito calor e o suor entrou em combinacäo com o óleo e o pó. Estava assim, a olhar para baixo, no meu intento de reparacäo mecanica, quando levanto a vista e me surge uma mäo a oferecer um gelado.
Um casal de pescadores tinha-me visto e veio tentar ajudar.
Era um gelado de morango e laranja que me soube o melhor possivel. Ainda ofereceram boleia para Tocopilla (estava a uns 30 Km). Disse-lhes que talvez aceitasse, dependendo do que conseguisse reparar. Entretanto foram acabar de carregar a carrinha com material de pesca.
Consegui erradicar o barulho, voltei a montar tudo na bicicleta e quando olhei, decidido a aceitar a boleia... tinham desaparecido.
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Chego ainda de dia a Tocopilla.
Desde Arica, contabilizo um total de 46h23m em que as rodas da bicicleta giraram a conta de pernas... ou de bracos, permitindo percorrer 592 Km.
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Por contar, fica um dia passado em Tocopilla e ... o que vier a acontecer aqui em San Pedro de Atacama (onde cheguei, em 2 autocarros, com a bicicleta e parte da tralha a viajar na bagageira).
Deixo um grande abraco a todos, obrigado pelos comentários e pelo apoio contínuo.
Vivemos tempos de eleicöes um pouco por todo o lado (Cabo Verde, Chile, Portugal). Oxalá estes senhores e senhoras saibam usar bem o poder que lhes concedemos (näo que eu tenha intervido muito no processo...).

8 Comments:

Anonymous Anónimo said...

OLÁ,João!
Resposta a RUTA 1. Sempre eu a acusar a nova mensagem. Fiquei preocupada com a tua indisposição. Não comas mais marisco. Pode dar esse resultado quando não é fresco.Descansa as pernas e dá um pouco de tréguas à bicicleta.Já estás perto de Antofagasta, julgo.
Cá estou eu com a prosa do costume, mas apenas quero muito ajudar-te a ser cuidadoso.
Vou mandar já este beijinho. Talvez ainda o recebas (leias) nas próximas horas ou minutos.
Um abraço do tamanho da distância que nos separa. Tia

2:07 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Hey, Joe!
Resolvi dar mais uma de muitas saltadas diárias ao deserto de Atacama e meter mais dois dedos de conversa. Só para ver se necessitavas de mais um empurrão...
Para a próxima sou eu que te ajudo a fazer a bagagem:
1 - spray "Bala"
2 - crenques BigFork, sem folga
3 - selim de couro com heliocoidais de 5" (bezuntado com hallibut, anti-assadura)
4 - um saquinho com tremoços para evitares essas mariscadas, e;
5 - uma morcela embrulhada num paninho, para te safares nas etapas mais longas


p.s. afinal não necessitas cantar porque, pelos vistos, a ginga tem ritmo incorporado...

abraços dos grandes

4:33 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ólá senhor João viajante!

Já vais longe na tua pedalada mas creio que ainda vou a tempo de uma mensagenzita! Os teus registos (confesso que não li na íntegra) são muito engraçados, até me ri sozinha!
A propósito do marisco, aqueles sintomas são-me familiares...
Cá vai um abraço impregnado de incentivo e amizade.

por agora despeço-me com admiração e uma certa inveja,
um beijinho
Sofia Fonseca

2:55 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Heya gajito!
As tuas aventuras não têm fim. Se os teus fiéis leitores não te conhecessem bem duvidariam das tuas "estórias" e iriam considerar a hipótese de sofreres uma grave crise de alucinações. Como não é o caso, resta-me desejar-te força nas pernas, estômago de aço e BOA VIAGEM!

Até breve!

3:09 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Será que foi aqui o ponto de partida para as tuas grandes viagens?!!

http://images3.fotopic.net/?iid=y41q0p&outx=600&noresize=1&nostamp=1

Tudo leva a crer que sim e, pela amostra, já tinhas muitos admiradores...
Continuamos com crescente expectativa à espera das tuas crónicas que decerto irão fazer história entre os nossos exploradores.
Força João! Não te superes, contudo, e zela pela tua saúde.
A Gerência

7:23 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Boa joão !
Tenho vivido a tua luta tremenda com os mosquitos como se fosse eu.
No fundo é aquilo que mais me tem impressionado nesta tua narrativa.
Só quem não sofre as ferroadas, a coceira e as bofetadas destes insectos, é que não consegue valorizar esta batalha.
Outros darão mais atenção ao pedal, ou à musica pedaleira, mas eu não, eu é só os mosquitos...
E escusas de me convidar, para lo Chilé, no!
Repelente, meu amigo, repelente c/ eles. Só assim nos safamos e agora que andarás (creio eu) pelos lagos salgados dos flamingos é melhor safares quanto antes.O ambiente é infecciosamente picante.
Alta montanha (de camioneta, claro), aí sim, respira-se ar puro, oxigenamos o sangue, com sorte tiras umas fotos espectaculares, e olhas os mosquitos de cima, bem acima deles e até podes imaginar que estás a pisa-los. Por aqui me fico nesta incursão ao teu blog.
asta la vista, amigo
Luis B

8:19 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Caro Joe

Longe vão os tempos do "bici-enduro", das bicicletas sem pedais e travões, as quedas e desmaios no "Cabeço do Prior", contudo a pureza desses tempos de criança em que tudo é o que é, conservam-se nos teus relatos. Posso perceber, através das tuas impressões, um pouco das terras e das gentes que percorres.

Isto tudo só para dizer quão importante é ter a tua companhia.

Devido à indolência, ainda não me dediquei a traduzir a "verborreia geológica" sobre "marmitas de gigante, estratificação entrecruzada e arenito( "esta é fácil - rocha sedimentar equivalente à areia mas, na versão - grãos colados").

Sabes fiquei tão entusiasmado com isto do blog que experimentei a realizar uma da Escola. Vou desenvolve-lo quando este horrível vento leste desaparecer e deixar de me sugar a vontade. Podes ver umas fotografias da "minha" escola, de alguns alunos e colegas.

O endereço é : www.esmaio.blogspot.com

Continua o teu valoroso périplo por terras chilenas. Não tem nada a ver mas sabes qual a origem do nome Chile?

Um grande abraço

Carlos
Um grande abraço

8:21 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Bem em primeiro lugar parabens!! parece que ate agora ta a correr tudo segundo os teus planos :D até já umas noites loucas tiveste direito não te podes queixar :)


ps: um conselho - pk não levas umas saquetas de chá na bagagem(k nem pesa muito...) e como ferves a água até o podes fazer com águas mais duvidosas...depois é por nas garrafas da bike.

Bem um abraço vou seguindo o blog
pedro gonçalves

3:09 da tarde  

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