sexta-feira, janeiro 27, 2006

Hasta Antofagasta


_Bachelet "con todos"

Volto a ter acesso a internet. Um dia antes do previsto. Näo que tivesse pedalado mais rápido e encurtado o tempo de chegada a Antofagasta. As razöes näo säo das melhores, mas já lá vamos.
Para manter o relato mais ou menos "al dia" tenho que pedir créditos à memória e voltar atrás na sequencia cronológica.
Faz de conta que estou em Tocopilla, Domingo, 22 de Janeiro.
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Passei a noite no "Hotel América". O "luxo" de ter "baño" no quarto rapidamente se acomodou à generalidade do nível da viagem e, ao puxar o autoclismo, metade da água do depósito jorra para o chäo porque a uniäo, que deveria vedar, já näo existe.
Este hotel, com 100 anos, é regido por 2 senhoras. Uma é muito larga, anda inclinada para trás como se tivesse uma vassoura na coluna e abre muito os olhos. A outra é a sua mäe, bem mais estreita e pouco há a referenciar a näo ser uma característica que ambas compartem: a simpatia.
O preço näo me é muito conveniente (6000 pesos, cerca de 10 euros) mas deve ser o mais barato de Tocopilla, é sossegado e a bicicleta dorme "adentro de la habitación".


_Exterior do Hotel América

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Durante o dia andei a errar pela povoaçäo, estive na internet a escrever parte do post anterior e a perceber qual a melhor maneira de chegar a San Pedro de Atacama.


_Tocopilla

No posto de internet o senhor era bem irritante. Passava o tempo de um lado para o outro, a arrastar nos chinelos a figura esquelética. Parecia que estava sempre com vontade de fechar a porta e ir à sua vida que, pelos vistos näo era bem aquela.




_Tocopilla

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Informei-me que duas companhias viajavam a San Pedro. Uma era Turbus e, a outra, Camus.
Prefiro evitar Turbus, pela história de Santiago, com a bicicleta. Em Camus "quase" me garantiram que näo haveria problema em transportá-la e foi num bilhete com o seu símbolo impresso que se transformou o meu dinheiro.
San Pedro está a 2700m de altitude e Tocopilla... ao nível do mar. O entusiasmo näo dá para tanto e as pernas väo mas é relaxadas no banco do autocarro enquanto a bicicleta viaja no andar inferior.


_Praia de Tocopilla. Areia escura.

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Voltei a dormir no Hotel América. Pedi para deixar algumas coisas, já que näo ia necessitar de tudo. "Ningun problema" responde a filha, desafiando a gravidade com o ângulo negativo que as suas costas formam.
Deram-me outro quarto. O "baño" funciona e até tem luz na mesa de cabeceira. Pena ser vermelha.
Seleccionei apenas o que iria necessitar em San Pedro, deixando os dois alforges e o saco-cama. Levei só a tenda, pensando dormir vestido e assim näo passar frio. Mas que rica ideia...
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Às 7h15 entrei no autocarro. A bicicleta viajou folgada de espaço.
Esta primeira viagem foi até Calama. Aí tive que procurar outra compañia que viajasse a San Pedro. Falaram-me de "Fronteras del Norte". Quando perguntei se seria possível levar a bicicleta, disseram-me: "ahí? Hasta perros llevan. No estoy de broma, esto es flor (referindo-se ao autocarro em que acabara de chegar) comparado con eses".
Em "Fronteras", a julgar pela quantidade de cestos com verduras, sacos com melancias e o denso aglomerado de futuros passageiros percebi que o espaço voltava a ser um problema e incluir a minha "bagagem" de formas täo agressivas e rígidas no meio de tantos "produtos da terra" näo iria ser fàcil.
Uma esquina abaixo estava outra companhia: "Atacama 2000". A senhora disse-me que, se viajasse já, às 12h30, este seria o autocarro menos cheio.
Comprei o bilhete, a bicicleta acomodou-se por cima do pneu suplente e tudo correu bem.
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San Pedro de Atacama é uma povoaçäo muito bonita, com construçöes em adobe e ruas näo asfaltadas.
Pena ser extremamente turístico. Cada casa, no núcleo central, acaba por ter algum tipo de exploraçäo com vista a arrecadar dividendos e os preços estäo bastante por cima de outros lugares.
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Continuei na mesma rotina de sondar por onde andariam os mais baixos valores de "aposentos" e acabei optando pelo camping "Puritama" (3000 pesos por noite, cerca de 5 euros). Tinha também a vantagem de dispôr de uma cozinha de uso livre.
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Estreei finalmente a tenda. Montei-a debaixo de um algarrobe, que tem folhas semelhantes ao tamarugo mas é mais alta e näo espinhosa.
Cozinhei junto à tenda e depois saí a informar-me de que opçöes haveria para ocupar o dia seguinte.
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Em San Pedro pode passar-se muito tempo, sempre a gozar paisagens que quase näo parecem reais. Desde a povoaçäo, vê-se uma cordilheira de vulcöes com picos nevados. Destaca-se o Licancabur, por estar isolado e a sua forma ser perfeita, até ao cume.
O problema é que, muitas das atracçöes, isto é, os locais mais bonitos de se visitar näo estäo ao alcance de um dia em bicicleta, para ir e voltar. Também as cotas variam de uma maneira desmesurada relativamente à actividade e ao ânimo do ciclista em questäo.
Havia um "tour" que saía para os "Geisers del Tatio", às 4h00 da manhä, para aí chegar por volta das 8h00 (hora a que acontece a sua maior manifestaçäo).
Também havia uma visita ao salar de Atacama, a 65 Km.
O problema destes itinerários é que säo feitos em carrinhas carregadas de turistas e por várias companhias que compartem o mesmo destino e horário.
Assim, nada de esperar apreciar estes locais em sossego.
Entretanto, encontrei uma agência que fazia, para o dia seguinte, uma actividade de trekking, limitada a 4 pessoas.
O objectivo seria unir Machuca (a 4000m de altitude) a Rio Grande (3700m), durante cerca de 6 horas de caminhada.
Näo foi nada barato, mas achei que era a opçäo que mais me agradava e inscrevi-me. O encontro estava marcado para as 7h30 do dia seguinte.
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Voltei ao camping. Sentei-me junto à tenda. Apenas o ínfimo espaço de tempo até ser convidado pelos "vizinhos" de tenda para um "piscola" (pisco, aguardente chilena, com cola) ou "una cerveza". Agradeci o convite e rapidamente me empenhei na segunda opçäo.
Que simpáticos! Era uma família de Santiago que, como eu, escolheram conhecer o norte. Desciam também desde Arica. À conversa estivemos bastante tempo, de volta do pisco e das cervejas. Já me deitei com um convite para um "asadito" no jantar do dia seguinte e dormida em Santiago.
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O meu projecto de dormir apenas vestido, sem saco-cama, que a temperatura dentro da tenda seria bastante superior e blá, blá, blá, revelou-se um fracasso rotundo.
É que esta tenda pesa apenas 1,5 Kg e, para cortar no peso, todo o interior é de rede.
Nunca mais aquecia, até as botas calçei porque os pés pareciam extremidades glaciares. Näo havia maneira de conciliar o sono com esta sensaçäo de frio. Tinha que me levantar cedo e descansar o suficiente para a "tarefa" da caminhada...
Quando näo aguantei mais, saí à procura de "possibilidades". Pensei em ir dormir para a cozinha, era dentro de uma casa de adobe, estar-se-ía bem mais "a gusto".
Mas, pelo caminho, cruzei-me com a feliz apariçäo de um estendal, onde pendiam 2 mantas.
Nem parei para pensar e trouxe a vermelha, preterindo a dos quadrados que me pareceu menos quente.
Ah! Que bela noite passei depois deste sequestro têxtil (que durou as 3 noites que aí estive). A consciência näo pesou tanto como o frio nocturno e sabia que a manta pertencia ao camping (que também alugava quartos e cabanas mobiladas).
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De manhä, o 4x4 leva-nos durante cerca de uma hora até Machuca. Somos 5. O condutor, Samuel, o guia, Nicolas, uma alemä, Ula, e uma suíça (cujo nome näo retive).
O caminho até Machuca é muito bonito. Sempre estradas por asfaltar. Em algumas partes, misturam sal na terra e o piso mantem-se mais consistente. Cruzamos vários rios.
Machuca está a 4000m mas näo se sente absolutamente nada dos efeitos característicos da altitude. Tomamos aí um rico pequeno-almoço (incluído no "tour"). Há apenas duas filas de 4 a 5 casas. A electricidade é garantida por um gerador diesel. Junto ao local onde comemos está uma caldeira para aquecimento de água que funciona a energia solar.
Os habitantes desta comunidade beneficiam da venda de algum artesanato, porque esta é parte do caminho aos Geisers del Tatio onde circulam diariamente muitos turistas.
Quando aí estivemos näo havia ninguém. Fará, concerteza, toda a diferença poder observar estes lugares com o silêncio que lhes é próprio.
Terminado o repasto e acumular de energia começamos a caminhada.


_Machuca


_Início da caminhada

O Samuel arranca com o jipe e esperar-nos-á em Rio Grande.
O caminho decorre quase sempre ao longo de um desfiladeiro, primeiro de um pequeno afluente e depois do próprio Rio Grande, que dá o nome à aldeia que temos como destino.
No início vimos vários lamas a pastar livremente. Alguns ainda estavam decorados com fitas coloridas. Säo-lhes colocadas no momento do "banho". É uma lavagem com fins sanitários, para os livrarem de parasitas. Para tal, existem umas construçöes compostas por dois círculos, murados, unidos por uma secçäo estreita e profunda que contem o líquido desinfectante.
O guia, Nicolas, consegue que ao caminharmos também sejamos instruídos quanto à flora, fauna e antigos costumes. As moças säo simpáticas (mais a suíça, que gosta muito de Portugal. Esteve no Euro e eu... näo pude contribuir nem um pózinho para esse tema de conversa).
Vamos parando, o ritmo moderado. Fazemos uma pausa maior na povoaçäo desabitada de San Juan. Comenos nougat de amendoim, boliviano.
Ainda säo muito perceptíveis as zonas de cultivo. As casas estäo, na sua maioria, fechadas e em bom estado. Säo construçöes de adobe com cobertura em palha e argila. A encimá-las existe sempre cravada uma cruz, elemento de protecçäo.
Existem socalcos nas encostas, permitindo espaços aráveis (fazem lembrar os socalcos de olival, de Nisa e Vila Velha de Ródäo).
À medida que nos aproximamos de Rio Grande, as culturas säo muito mais extensas, "hay harto de água" e toda esta fertilidade é aproveitada e convertida em favas, feijäo, milho...
Ao fim do tempo previsto (5 a 6 horas) chegamos a Rio Grande. Aí está o Samuel, a dormir no pouco espaço que a sua barriga deixa livre entre o assento e o volante.
Almoçamos na única sombra que parece existir. Comemos regaladamente as saladas e o frango, varremos o pó da garganta com sumo abundante e ainda compartimos de tudo um pouco com Sebastian, o senhor boliviano, de 74 anos, a quem daremos boleia de regresso a San Pedro de Atacama.
Sebastian caminhou o mesmo que nós, horas antes e de sandálias, com uma mochila onde traz vários sacos com ervas moídas que se aplicam a diferentes "males". Anda a vender. É uma espécie de curandeiro ambulante e afiança ter mais de 15 anos de experiência e conhecimentos de boticário.
Em San Pedro despeço-me dos meus companheiros andarilhos. No dia seguinte iräo subir o vulcäo Laska (com 5700m de altitude e ainda activo).
Como gostaria de os acompanhar... mas, decididamente, está fora do meu orçamento e também do meu equipamento, já que näo trago roupas adaptadas ao frio que deve fazer no cimo nevado.
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Chego ao camping e já os meu amigos me esperam para irmos assistir ao pôr-do-sol no Valle de la Luna. Até tenho direito a um lugar no banco do co-piloto.
O Valle de la Luna é uma zona completamente inóspita onde näo existem formas de vida vegetais ou animais. Tem estranhas formaçöes de sal, uma duna gigante, um anfiteatro natural, grutas...
Obviamente, e como é "tradiçäo" assistir, neste lugar, a este momento do dia, estäo centenas de pessoas presentes. Autocarros, carrinhas de agências turísticas e muitos carros particulares, como nós.
De volta ao camping, o Claudio dedica-se à cozinha. Acompanhamos os preparos com PiscoSour (pisco com limäo) e Piscola.
O frango estava "riquíssimo", a salada e o "perbe" (acompanhamento ou entrada, feita com tomate, cebola, ají, coentros, tudo picado, em azeite) nem se fala.
Gracias amigos! La abuela, Lucy, Claudio, Mauro y Matias (tu... caca con... catorce!).
Nos vemos en Santiago.
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Passei uma boa noite envolto na "minha" manta vermelha.
De manhä os meus amigos foram-se embora.
Gastei a manhä a bicicletear pela povoaçäo e arredores. A tarde, e a hora de maior calor, reservei-a para o museu arqueológico Gustavo Le Paige. Muito bom e completo.
Ao fim do dia, afastei-me ainda mais de San Pedro num aleatório recorrido ciclístico.
Como já näo tinha nenhum convite para jantar, voltei a cozinhar "tallerines" com tomate.
Na manhä seguinte, tomei um autocarro da companhia "Atacama 2000" de novo para Calama.
Em Calama vagueei pela povoaçäo e por um livro de Julio Córtazar até voltar com "Camus" para Tocopilla.
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No Hotel América estavam os meus alforges imaculadamente guardados. A senhora näo me cobrou nada pela "consigna" e empregou toda a simpatia chilena nos votos de boa viagem.
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Já era tarde mas estava decidido a näo pagar por mais uma noite em Tocopilla.
Jantei um "churrasco con tomate" (espécie de prego com tomate) no restaurante "dos leones" (aí estäo, à escala real e dourados, a guardar a porta) onde já tinha gasto alguns pesos em néctares "Watt's".
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Andei cerca de 6 Km até encontrar o pedaço de terreno propício à configuraçäo do meu corpo, devidamente resguardado da vista alheia por um monte de terra, sobre o mar.
Passei a noite numa contínua sessäo de acupunctura geológica. Desconheço que pontos nevrálgicos foram estimulados.
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Hoje, 27 de Janeiro, pensei ser o primeiro de dois dias que empregaria a chegar a Antofagasta, em bicicleta.
Levantei-me bastante cedo, a ver se trocava as voltas ao vento e fazia o maior número possível de quilómetros antes deste aparecer.
Por volta da hora a que normalmente faz as honras à dificuldade da progressäo, meio-dia, após cerca de 45 Km do local onde dormi, um arame forte e tenso, levantado no ângulo exacto pela roda dianteira, ganha balanço na corrente e enfia-se entre esta e o desviador traseiro.
Qual poderosa alavanca, parte o desviador em dois, separando a peça com os dois roletes do resto do conjunto, completamente torcido (e a corrente a acompanhar a mesma inclinaçäo, empenada).
Para tornar todo o aparatoo mais vistoso, o terminal do quadro onde enrosca o desviador torce de tal forma que os carretos aí batem, impedindo a roda de girar.
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Como o vento da sorte também continua a aparecer, acho que nem um minuto tardou até carregar a bicicleta numa pick-up que me trouxe até Antofagasta. Vim de boleia com um engenheiro mineiro, com o qual aprendi bastante sobre os processos de extracçäo e refinamento.
Fez questäo de procurar comigo uma oficina e aí me deixou. Iria voar ainda hoje para Santiago.
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Em "Dr. Bike's" ainda tentaram fazer um enxerto entre a matéria aproveitável do meu desviador e outro qualquer. Näo funcionou.
Tenho instalado um "Alivio" coberto de ferrugem, mas a cumprir a sua funçäo (nem imagino o tempo de uso que possa ter). O quadro foi ao sítio sem partir.
Ainda que toda a transmissäo me pareça pouco alinhada, as mudanças estäo a entrar bem. A ver como se comportam nos caminhos do sul.
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Amanhä, pela manhä, tomo um autocarro para Santiago. Aí quero, "al tiro", tomar outro para Puerto Montt.
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Parece que (porque tudo é relativo) se acabaram os caminhos do deserto e esta primeira etapa do trajecto previsto.
Como posso agradecer tanta companhia? Ainda me surpreendo pelas visitas que continuam a fazer e pelos novos e inesperados acompanhantes.
Gostava de saber agradecer de forma mais pessoal a todas as simpáticas mensagens.
Gostava de agradecer, por exemplo, as sempre "estreantes" mensagens da minha tia, da Sara, as "dicas" do Pena para fazer a mala, os ventos favoráveis de Cabo Verde com as hilariantes memórias do "bici-enduro" , de enviar um abraço de parabéns (já muito vencido) ao Luís, o apoio contínuo do Rui, as surpreendentes mensagens de ânimo da Paula Nogueira...
E um grande beijo à gerência que foi ao baú dos "recuerdos" e trouxe uma foto cheia de significado.
Sei que muitos faltam e näo quero parecer injusto. Como espero que Radio Tamarugo apenas suspenda as emissöes enquanto dá um salto para sul, tempo e espaço haverá.
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Agora, estou "medio apurado". Amanhä, se conseguir, ainda carrego mais imagens. As que faltam da caminhada, de San Pedro de Atacama e um pouco desta cidade em que me encontro, a segunda maior do país.

domingo, janeiro 22, 2006

Ruta 1



Estou em San Pedro de Atacama, já estive em Tocopilla (onde foi escrito o post de Iquique).
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Cheguei a Tocopilla ao final de tres dias de "ruta", onde me afastei da Panamericana (Ruta 5), tendo tomado a Nr.1, costeira e construída há apenas cerca de 10 anos (segundo uma única informacäo, näo confirmada e com uma expressäo pouco segura no momento da transmissäo).
Este relato deverá abranger esses trës dias de viagem.
(este teclado näo tem acentos graves nem circunflexos, nem "c" com cedilha, para além do "til" ser substituído pelo trema, como usual).
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O primeiro dia que voltei a pedalar, depois da sequidäo empinada e temperada a vento (que vinha ao meu encontro com os braços bem abertos) dos 4 dias entre Arica e Iquique antevia-se fácil. Tinha descansado 2 dias. O repouso, aliado á presença do mar como elemento novo de companhia, seriam dados suficientes para fazer acreditar em bons momentos.
Para manter a coerencia dos acontecimentos, este dia também näo faltou á chamada na lista de surpresas.
Primeiro, confirmei que a costa é acompanhada de vento e bem forte, que a partir do meio-dia näo deixa de soprar com forca e lembrar que, ao vir para ficar, veio também para me dificultar a progressäo. É preciso estar constantemente a pedalar para manter uma estupenda velocidade média de 11Km/h.
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Encontrei um cemitério de "mascotas" num terreno isolado e sobre o mar. Há dedicatórias muito bonitas a "companheiros" que se tornaram parte da família.




_Cemitério de "mascotas"

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A seguir veio a surpresa do dia. No primeiro restaurante que encontrei na beira da estrada estava um grande placard a anunciar "empanadas"! Já vinha a pensar nelas há algum tempo e a ocasiäo näo podia ser melhor. Era altura de fazer uma pausa e nada melhor do que degustar uma destas especialidades.
Escolhi de marisco e muito bem me soube, enquanto via o mar desde um terraco com a melhor das localizacöes.
Até aqui tudo bem. Volto á estrada e, passado pouco tempo, comeco a sentir fortes pontadas no estomago e alguma falta de ar. Sensacoes pouco convenientes para o desolado espaco físico em que me encontrava, a hora do dia (15h00), e o meio de locomocäo.
Apercebo-me que me faltaräo 10 km até á seguinte área povoada (aeroporto Diego de Aracena, a 30 Km de Iquique) e para aí chamo o esforco e o que resta do alento.
Depois de tentar "negociar" a entrada no parque do aeroporto com o vigia da cancela lá nos conseguimos entender e, por fim, anuiu que talvez näo fizesse grande sentido eu tirar uma senha de parqueamento.
Encostei a bicicleta numa "caseta" encerrada de "rent a car" e subi ao primeiro andar, onde estava a cafetaria. O que queria era tomar alguma coisa com gás. Tinha a vista turva e antes de chegar ao balcäo näo consegui mais do que sentar-me e ainda apreciar como me olhavam com a expressäo de quem me julgava acabadinho de chegar, enviado em express mail, da area 51.
Fui á casa-de-banho e vi que tinha o pescoco com inúmeras bolhas e a pele cheia de manchas vermelhas. Näo havia grande dúvida, tratava-se de uma reaccäo alérgica ao marisco da empanada.
Quando consegui pedir uma lata de 7up, a reaccäo ao frio da embalagem também deu início a uma comichäo nas mäos que parecia näo querer parar.
Tudo se compoe e resta-me esperar que o calor abrande, que o organismo saiba lidar com as "novidades" e que o meu estado de desanimo seja um pouco varrido com o vento.
Estive cerca de 2 horas no exterior do aeroporto, no ponto de sombra com a melhor corrente de ar e também minimamente discreto.
Sinto-me bem de novo e volto a pedalar. O vento näo traz novidades e mantem a conversa cara a cara.
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Encontro dois motards que andam há 3 meses na estrada. Trocamos poucas palavras. Pergunto se posso tirar uma fotografia. O canadiano acede gentilmente. O americano, na dosagem extrema de simpatia... vira costas.



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Este dia tinha pensado chegar a Caleta Patillos. Tinha visto no mapa e me pareceu, pela forma como estava assinalado, um sítio maior e onde poderia encontrar abastecimentos.
Quando chego, ao fim de 65 Km da "luta" que já conhecemos, apercebo-me que é um grande porto industrial, nada de comércio, nada de povoacäo. Apenas um grande complexo transformador (näo cheguei a perceber de que) e muitos camiöes a entrar e a sair.
Faco mais 12 Km e dou-me por vencido em Caleta Cañamo.
É uma pobre povoacäo pesqueira. Tem apenas um pequeno "almacen" (onde compro 3 pacotes de sumo, para compensar o estomago e ingerir algumas vitaminas). Vou dormir para a praia, junto a outros campistas (com os inseparáveis geradores, nada silenciosos).
De madrugada ainda chegam mais veraneantes que vieram estrear uma aparelhagem e estacionaram a 5 metros de mim. Durante muito tempo houve festa (com muitas latas a brilhar pela manhä no areal). Ninguém dos que já dormiam reclamou e eu, campista adepto do relento também näo me pronunciei.
Foi um dia em cheio!


_Caleta Cañamo

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Dia seguinte. O sol desperta cedo a sua forca, sem nada que o impeca.
A vontade de pedalar näo anda gorda de motivacäo.
Fisicamente, já me sinto bem e nada debilitado pelo dia anterior. Tomo o último dos sumos como pequeno-almoco, esperando encontrar algum reforco na estrada.
A cerca de 10 Km encontro um restaurante, em Playa Aguila. Como decentemente. Parte das dentadas na sandes de queijo (enquanto molhava pedacos de päo no café com leite) foram intercaladas com palavras que serviam sobretudo de resposta a perguntas de um camionero que se sentou na minha mesa.
Ele terminou antes. Quando se despediu disse que o meu "desayuno" estava pago.
Palavras para que? Continuo a ter sorte nos encontros e a viver muita generosidade.


_Restaurante de "Playa Aguila"

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Depois veio uma grande subida e uma sesta em Caleta Rio Seco, onde mergulhadores faziam recoleccäo de marisco e uma camioneta carregava sob o controlo de um fiscal. Acho que apanham, sobretudo, ouricos.


_Caleta Rio Seco

Continuo sempre a ver o mar, no entanto o caminho vai-se afastando e aproximando, assim como os valores de cota näo primam pela estabilidade.
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Tomo banho no Pacífico, rodeado de alforrecas.
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_Cemitério abandonado da antiga povoacäo de Huanillos

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Cheguei já quase de noite onde tinha previsto chegar (Río Loa), ao fim de um dia com 86 Km.
Río Loa marca a transiccäo da I Regiäo para a II Regiäo chilenas. tem um controlo de aduana. Como já estava a escurecer, cheguei aí envergando o meu colete reflector. Era um estranho personagem que vestia parte da indumentária comum aos carabineros.
Aqui, todos os carros säo revistados e os passageiros dos autocarros tem que descer. As bagageiras säo despejadas e os sacos todos abertos.
Ao ciclista ninguém lhe fazia caso. Depois de estar bastante tempo junto a uma mesa, onde era suposto estar para ser controlado, tive que ir ao encontro de uma agente de aduana que olhou para a bicicleta, riu-se, näo revistou nada e, por fim, carimbou um quarto de A4 onde escreveu: "1 bicicleta". Assim passei o último controlo, entregando o papelito junto á cancela.
Passei ao outro lado da estrada, comi e fui dormir abrigado por uns montes de areia, nas traseiras da aduana.
O nome, Río Loa, deve-se ao que o próprio indica e, como tal, por aí se juntam muitos mosquitos que, com tanto espaco, vieram passar a noite a meu lado. Por volta das 5h00 da manhä levanta-se o vento e finalmente os indesejados väo-se embora.


_Amanhecer em Río Loa

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Outro dia e outro objectivo. Queria chegar a Tocopilla.
Continuo desanimado com o vento e com tantas horas em que näo dá descanso. Apesar das contrariedades, a visäo do mar é muito bonita, assim como o colorido dos cerros do lado Este.



Estes dias em bicicleta säo muito pouco estanques. Há espaco que dá lugar a bons e menos bons episódios. A momentos de animo e outros de puro esforco e contrariedade. O fiel da balanca inclina-se a um lado e a outro. Por fim, é esta esteira de caminho percorrido que vai dando forcas para continuar e consegue apagar os piores momentos, para trazer apenas as memórias das pequenas vitórias, ganhas pela teimosia de näo desistir e os felizes encontros que esta forma de viajar propicia.
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No momento em que o vento finalmente se decide pela direccao que tomará até o dia acabar (cerca do meio-dia), estava alegremente sentado a tomar um grande copo gelado de sumo de morango (seguido de uma taca de nescafé) debaixo do toldo de uma casa de praia.
Eram 5 primas, de meia-idade, que passam o Veräo em Caleta Punta Arenas. Quando procurava um "almacen", para comprar o néctar da ordem, fui chamado e convidado a sentar-me. Fiquei aí tanto tempo (pela quase nenhuma vontade de pedalar) que, a certa altura, acho que se esqueceram de mim e entraram numa enstusiasmada combinacäo acerca de uma festa em que tentariam reunir grande parte da família. Riam muito enquanto imaginavam o tipo de conversas que surgiriam. Aproveitei um curto momento de pausa para introduzir a minha despedida. Que simpáticas! Eram de Tocopilla.


_Caleta Punta Arenas
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Mais vento, sempre o mar. Zonas de rocha alternam com zonas de areal. Nestas praias há, muitas vezes, acampamentos. Trazem tudo de casa, colchöes de casal, frigoríficos, bidons com água potável, montam tendas "casa-de-banho", geradores, churrascos, música...


_"Acampamento" na praia.

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Para além de um pedal moído que acompanha a cadencia dos movimentos com um "crec-crec", o eixo traseiro (que já vai cumprindo a sua obrigacäo) comecou a dar sinais da vontade de entregar a alma ao criador (neste caso o Sr. Shimano, LX como galho geneológico) e a sinfonia ente este e o pedal era por demais irritante. Saio da estrada e, junto a uma falésia, comeco a tirar toda a carga para testar os efeitos duma limpeza do rolamento.
Fazia muito calor e o suor entrou em combinacäo com o óleo e o pó. Estava assim, a olhar para baixo, no meu intento de reparacäo mecanica, quando levanto a vista e me surge uma mäo a oferecer um gelado.
Um casal de pescadores tinha-me visto e veio tentar ajudar.
Era um gelado de morango e laranja que me soube o melhor possivel. Ainda ofereceram boleia para Tocopilla (estava a uns 30 Km). Disse-lhes que talvez aceitasse, dependendo do que conseguisse reparar. Entretanto foram acabar de carregar a carrinha com material de pesca.
Consegui erradicar o barulho, voltei a montar tudo na bicicleta e quando olhei, decidido a aceitar a boleia... tinham desaparecido.
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Chego ainda de dia a Tocopilla.
Desde Arica, contabilizo um total de 46h23m em que as rodas da bicicleta giraram a conta de pernas... ou de bracos, permitindo percorrer 592 Km.
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Por contar, fica um dia passado em Tocopilla e ... o que vier a acontecer aqui em San Pedro de Atacama (onde cheguei, em 2 autocarros, com a bicicleta e parte da tralha a viajar na bagageira).
Deixo um grande abraco a todos, obrigado pelos comentários e pelo apoio contínuo.
Vivemos tempos de eleicöes um pouco por todo o lado (Cabo Verde, Chile, Portugal). Oxalá estes senhores e senhoras saibam usar bem o poder que lhes concedemos (näo que eu tenha intervido muito no processo...).

Iquique


_Calle Baquedano

Agora, novamente com acesso a este terreno universal, onde toda a gente se encontra, é altura de voltar um pouco atrás e falar de Iquique, para manter a consistência do relato.
Continuo a agradecer todas as presenças, empurröes e os votos de "aguante".
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O primeiro dia (a grande fatia solar que lhe correspondeu) foi passado na internet, a actualizar este blog. De noite passeei pela Plaza Arturo Prat e ainda estive quase a ir ao teatro. Estava a decorrer um Festival Internacional. Infelizmente, a companhia argentina que estava anunciada cancelou a actuaçäo dessa noite e o mesmo horário foi compensado com uma peça infantil.


_Plaza Arturo Prat
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Jantei no estabelecimento do Sr. Schiller - "comidas al paso" - Ensalada, chancho (porco) com puré e um néctar da marca "Watts" (nos quais estou practicamente viciado. Se a mesma chega a Portugal, a fábrica de Almeirim que se cuide).
Uma refeiçäo, assim completa e ainda com direito a "postre", (gelado ou fruta) custa, nos sítios mais baratos como este, 1900 pesos (1 euro = 590 pesos chilenos).
Perguntei-lhe se ainda existia a "Escuela de Santa Maria", onde me dirigi, após confirmaçäo.
Situa-se em frente ao mercado. Em redor de este existem restaurantes ainda mais baratos do que aquele em que comi mas com aspecto menos agradável.


_Mercado de Iquique

A curiosidade pela escola vinha de um texto que tinha lido e que atribuia a este lugar o facto de ter sido palco de um dos mais sangrentos episódios ligados à época do nitrato.
Em 1907, cerca de 8500 manifestantes das "salitreras" aí chegaram, adensando este ponto de concentraçäo em protesto contra o desemprego e as parcas condiçöes de trabalho. Quando recusaram abandonar a escola, a polícia e o exército carregaram sobre todos estes elementos, desarmados, com metrelhadoras. Houve centenas de mortos e um número bem maior de feridos.
Um grupo folclórico chileno (Quilapayún) imortalizou este incidente num álbum entitulado "Cantata popular Santa María de Iquique".


_Escuela de Santa María
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Na manhä do dia seguinte, em bicicleta mas sem as "carenagens" que a revestem de peso e aumentam as condicionantes de desafio do equilíbrio, fui conhecer a Zona Franca (Zofri). Fica a cerca de 3 Km a norte da cidade, junto ao mar e a fábricas de farinha de peixe.
Existe um enorme edifício que alberga um sem número de lojas de electrónica, roupa e artigos de "tuning". Em redor existem stands de automóveis novos e, em outras ruas, um "mercado" contínuo de espaços de venda de automóveis usados, importados da China e do Japäo. Vêm com o volante à direita mas os chilenos já se tornaram especialistas na "conversäo". O tablier é cortado e as duas metades trocam de posiçäo. Dizem que, com a prática, a mestria da montagem é tal que nem se nota e que o problema só surge se o veículo acaba por vir a transitar muito em estradas menos boas. Os barulhos que aparecem acabam por denunciar a adaptaçäo.
Também há quem importe só motores e no chäo de enormes armazéns deixa de haver lugar para mais. Ou portas dispostas em prateleiras de vários andares, eixos com diferencial, farolins, motos e até... bicicletas japonesas com motores eléctricos. É todo um "amontoado" de veículos e peças em ruas compridíssimas, que assistem a um constante movimento de camiöes a carregar, com destino ao norte, sobretudo Bolivia. Para que o reboque possa permitir algumas sobreposiçöes, aos carros que estäo por baixo säo-lhes desmontadas as rodas, indo apoiados apenas nos discos dos travöes. As frentes tocam com as traseiras. Com o movimento, näo sei em que estado chegaräo aos locais de destino (os riscos laborais, na Bolivia, näo devem chegar perto dos bate-chapas e pintores).
Nas esquinas há lanchonetes, com bancos corridos resguardados do sol por toldos coloridos.
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Mais parte, tomei a direcçäo sul, a das praias.
O mar é o único elemento comum entre esta e a caótica e "metálica" zona da manhä.
O areal é muito branco e povoado como manda a tradiçäo dos veraneantes que näo dispensam o mar, nem o sol, e marcam com uma cruzinha de "supérfluo" toda a roupa que näo seja elementar.
Há palmeiras estilo "Beverly Hills", áreas ajardinadas, um mini-zoo, gratuito, com lamas e um grande aquário com dezenas de jacarés.





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Ando um pouco "pressionado" aqui pelo moço da internet. Acho que quer ir fazer uma sesta e, entretanto, juntar as duas portas azuis. Já lhe perguntei, diz-me que näo. No entanto, näo pára de andar de um lado para o outro com cara de sono e impaciência.
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Voltei ao centro da cidade, já näo pela marginal mas pela base da grande colina de areia que "protege" o lado Este de Iquique. Aqui existem casas bastante mais pobres, nada tendo que ver com as cadeias de restaurantes internacionais e o arranjo dos espaços públicos junto às praias. Todas as ruas têm um só sentido, alternando estas direcçöes numa rigorosa planta ortogonal. Este é um esquema comum a todas as povoaçöes por onde tenho passado e também àquelas que me recordo da Argentina. Por isso as indicaçöes säo dadas em: "una, dos, tres cuadras" (cuadra = quarteiräo).
Proliferam os "almacenes" (mercearias), criativos negócios de lavagem e aspiraçäo de carros (à porta de casa), oficinas de automóveis e também uma empresa de fumigaçöes com o elucidativo slogan de "matamos por encargo".







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O investimento gastronómico da noite teve como destino, de novo, as floridas mesas do Sr. Schiller. O seu bisavô foi um marinheiro alemäo que desembarcou e viveu no arquipélago Juan Fernandéz (fica, + ou -, frente a Santiago, tornando-se popular por aí ter estado Alexander Selkirk, a inspiraçäo de Daniel Defoe para a criacçäo da personagem de Robinson Crusoe).
Ele, o meu interlocutor das refeiçöes, nunca foi às ilhas. Aliás, pouco saiu de Iquique, por opçäo. Estudou engenharia química em Antofagasta e, mal terminado o curso rumou de novo a norte. Faz projectos para as minas e abriu este pequeno restaurante para preencher os períodos em que tem pouco trabalho. É a mulher quem cozinha. Foi ele que a ensinou, até esta desenvolver os dotes e o superar na ciência.
Diz que, na família, entre irmäos, säo quatro rapazes e uma rapariga. Quando saíram de casa, para estudar, todos os rapazes sabiam cozinhar, menos a irmä. Porque todos pescavam e passavam temporadas na praia onde tinham que cuidar da "sobrevivência".
Näo se cansa de tecer elogios a Iquique. O tempo é bom quase todo o ano, é a única cidade chilena onde há recolha diária de lixo, existem equipas de saúde, com carrinhas, que, num esquema de rotaçäo, estacionam nos distintos bairros servindo, gratuitamente, cuidados de odontologia e exames relacionados com doenças femininas.
Também referiu os benefícios relacionados com a zona franca e os cerca de 10.000 empregos que esta sustenta (divididos por mais de 1500 companhias), fazendo com que Iquique detenha o feliz record chileno da taxa mais baixa de desemprego.
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Ainda andei pela peatonal calle Baquedano a averiguar sobre os gelados mais baratos. Tanta escolha, tanta procura e acabei por vir a comprar um sabor que tinha bocadinhos de bolacha iguais aos mesmos que ando farto de comer nos dias de "ruta".
Comprei um mapa de estradas (que aqui se chama "guia caminera") e um belo livro, na rua, de Hernan Rivera Letelier (escritor chileno, criado numa salitrera) que, à boa maneira sul-americana, possui o inigualável dom e sensibilidade sul-americanas de juntar palavras e de nos levar com elas.

terça-feira, janeiro 17, 2006

Vuelve Radio Tamarugo!


_Linha férrea que conduz à ex-oficina salitrera de Santa Laura

De volta, agradecendo de novo a todos aqueles que continuam a escutar a emissäo e a novos companheiros de viagem.
Continuo no meu "Dakar" pessoal onde, à semelhança das primeiras ediçöes da reputada prova em que os pilotos de moto até transportavam pneus a tiracolo, toda a assistência com que conto, à partida, será aquela que fortuitamente pode aparecer. Felizmente, sempre aparece. E aqui, neste canal universal, nem se fala!
A gravidade também se pode incluir neste rol de apoios mas o seu empenho a meu favor é mais que duvidoso. Como o vento.
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Em Arica passei a noite "pré-deserto a pedais" na praia Las Machas, numa zona onde era permitido o campismo e... o botellón!
Näo foi fácil conciliar o sono com vários grupos de jovens chilenos que näo foram à praia para dormir, assim o confirmando o conteúdo etílico das bagageiras dos carros e o investimento em equipamento audio e luzinhas azuis de néon por debaixo dos chassis.
Näo bastando, também houve um encontro de mosquitos que permaneceram toda a noite, mesmo depois da festa acabar.
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Pela manhä, pouco recuperado mas motivado, decido orientar rodas e pedais para sul, prevenido com 4 litros de água, um pacote de massa, outro de queijo ralado e dois "sobrecitos" de sumo em pó (Tipo Tang. Pois a água de Arica, apesar de potável, pela sua componente mineral tinha um sabor que näo me agradava nada).
Triste ideia esta dos sumos instantâneos. Desde entäo toda a água com que encho as garrafas da bicicletas me sabe a laranja ou a ananás.
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À saída de Arica, está um painel onde lê: Iquique > 301 Km; Antofagasta > 723 Km.
Decido que esta cidade em que me encontro (Iquique) seria a primeira etapa (prueba superada) e quanto a Antofagasta, já veremos se até aí me leva a vontade de pedalar, continuando a desafiar este ambiente pouco propício à actividade.
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Tudo foi bonito e rolante (com primeiras imagens desérticas) até à primeira subida, de 6 Km. Pouco tempo levou a minha forma física a mostrar que ainda näo chegou e que grande percentagem ainda continuará perdida e adormecida pelos largos meses em que näo foi solicitada. Na verdade, muita desta energia, que agora chamo e ainda näo aparece, estará já transformada na mesma matéria de que é feita uma cadeira vermelha e incómoda, semelhante a esta onde agora me sento, no mesmo tipo de cenário (iluminada também por estes lindos e luminosos "écrans" que se medem em polegadas).
Em grande parte desta subida poupei ao piso dos pneus todo o meu peso recordando à sola das botas a sua funçäo principal.
Até aí o céu esteve nublado mas, chegando ao topo, já o sol brilhava com todo o seu esplendor e força numa grande extensäo onde era rei e senhor pois nada havia que proporcionasse sombra. A primeira oportunidade que tive de atenuar os efeitos do poderoso astro foi vivida ao mais alto estilo "espojado" numa fina linha de 10cm, debaixo de um painel que já foi "Good Year" e agora dá lugar a "respete las señales".



A pouco e pouco, a linha foi engrossando, assim como a vontade de voltar ao alcaträo movendo-me pela forma usual com que se move a generalidade das pessoas que anda em bicicleta. Isto é, em cima da própria. Näo caminhando e empurrando duas rodas encimadas por um fardo de 40Kg.
A paisagem mantem-se constante. A estrada desenrola-se subindo e descendo ligeiramente, com grandes rectas povoadas de camiöes que de sul para norte têm na sua maioria matrículas bolivianas e transportam carros (muitos acidentados). Sáo carros que chegam, sobretudo da China e do Japäo, ao porto de Iquique. Como é zona franca estäo isentos de impostos (como também acontece na entrada da Bolivia).
As "margens" da estrada säo planas por muitos metros mas ao longe, de cada lado, surgem altos cerros. Tudo é arenoso, descampado e pouco convidativo a ficar por muito tempo.
Abundam as "animitas". Lugares onde alguém encontrou a morte, assinalados por cruzes e pequenos "templos" em metal com telhados de duas águas. É mesmo impressionante o número destas referências.
De igual modo existem lugares de devoçäo, como este dedicado a Fátima.



A iniciar uma assinalada descida de 11Km (felicidade contida pois... se desço, näo perco pela demora da subida, na mesma proporçäo) está um marco que "alerta" para "zona de avistamento de OVNI".



À direita começa a aparecer com maior definiçäo o fértil Vale de Chaca onde chego após a tal dezena de quilómetros bem medida, apreciada e travada pelas pouco eficazes pastilhas "vidradas" dos meus travöes.



Neste vale cultiva-se tomate, feijäo verde, milho, cebola, manga, goiaba, papaia e existem também algumas oliveiras.
A irrigaçäo dos terrenos provem de furos. Dizem existir muita água no subsolo e que as reservas têm volume ainda para centenas de anos.
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Pensava que de Arica a Cuya näo iria encontrar absolutamente nenhum lugar de fixaçäo humana e com agrado encontro esta "Posada Chaca".
Decido "comemorar" esta surpresa com uma refeiçäo. Enquanto a superfície cerâmica do fundo do prato se torna visível emprego também um esforço de preparaçäo para a subida que, certa pelos quilómetros descendentes que acabara de fazer, teria pela frente.




À conversa com uns "camioneros" que chegaram para comer fico a saber que será de 17Km o trajecto em que a gravidade me estará de costas voltadas e decido que 56Km já me chegam por esse dia e que aquele vale é um lindo sítio para dormir. Cuya já näo é para hoje.
Passo a noite junto ao leito seco do rio Codpa-Vitor. De novo, os mosquitos andam nos seus certames estivais e adoram festejar com lautos banquetes à conta do jovem turista.
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Acordo com pequenas gotas de chuva. Ainda mal amanhecia. Afinal, chove no deserto.
De "desayuno" tenho a agradável subida. Arrumo apressadamente toda a tralha cujo revestimento de pó passa ao acabamento "lama" e com todas estas pressas acho que foi nesse lugar que deixei o mapa de estradas.
A subida foi... palavras para quê... é uma subida de 17Km e eu sou... alguém em baixa forma que se deixou iludir por belas imagens a muitos quilómetros de distância.
As poucas bolachas que comi näo deram nem para metade da energia necessária e volvido um terço de täo "placentoso" trajecto (apenas apreciado entre a roda pedaleira e meio metro a seguir à roda dianteira, ou seja, a textura do alcaträo bastante bem reconhecida) parei, com a luz da reserva acesa e a apitar, para cozinhar meia marmita de massa com queijo.



No topo do esforço e do duelo com a morfologia da natureza encontro outra posada (Los Camioneros) onde vários motoristas bolivianos descansam umas máquinas e alimentam outras (as próprias, que levam a força dos braços para o volante).
Peço uma Cola. -"Solo hay de papaya o de oro".
Habituado a Cola... de cola, escolho "oro" pois o símbolo fazia lembrar uma rodela de limäo. Esta bebida, brilhante como o ouro, da marca ariqueña Kola Real é uma mistura gaseificada que sabe a pastilha elástica. (Arghh!) Mesmo assim, näo deixei uma gota, antevendo tempos ainda mais difíceis em que a memória de ter desperdiçado parte de este líquido, pelo menos fresco, poderia barrar um pouco a procura de alento.
Acabei por comer aí, depois de um largo descanso e de assistir a um jogo de futebol (Bolivia/Bolivia) balizado por camiöes de 20m.



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Volto à estrada, vento, camiöes, animitas e autocarros. Quase toda a gente me saúda.
Tudo o que sobe desce e alguns quilómetros depois de "Los Camioneros" está o início da relaxada (e prevista pois já sabia que se descia no final) chegada a Cuya. 21 Km a descer!




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Cuya é pouco mais que uma zona de controlo obrigatório de cargas e passageiros (sobretudo aqueles que vêm de norte, pelo Peru). Abundam pequenos restaurantes, abertos 24 horas. Os telefones apenas permitem chamadas nacionais, internet... "no hay".


_Cuya

Passo muito tempo à conversa com uma senhora que vendia empanadas de marisco aos passageiros dos autocarros. Trazia vestido um impecável avental branco bordeado a renda cor-de-rosa e segurava uma pequena mala térmica. Entre cada partida e chegada sentava-se ao meu lado.
Ensinou-me que o rio que passa junto a Cuya se chama "Camarones" pela abundância dessa mesma espécie. O mar está a 11Km, onde se chega por uma estrada, näo asfaltada, a "Caleta Camarones", uma aldeia pesqueira. No vale também há umas grandes instalaçöes de criaçäo de frangos. Despedimo-nos no momento em que tem de ir repôr a mercadoria à cozinha do restaurante para o qual trabalha.
Um carabinero (polícia do Chile) pergunta se estou à procura de sítio para dormir e sugere que durma detrás da "comiseria", "donde está una virgencita". Era um pequenino templo, debaixo de umas árvores. Gracias señor!
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Ainda é cedo e vou ler para um terraço de cimento (onde me parece que será, afinal, o chäo em que me deitarei).
Passadas 2 páginas, é desta vez um capitäo do exército que me vem cumprimentar. Muito engraçado. Faz perguntas (as habituais: donde venho, se venho sozinho...) e diz que "yo, ni cagado, viajaba asi en bicicleta. En moto, si". Outros militares aproximam-se da "atracçäo do momento".
Muito pouco tempo e muita conversa levam a que já tenha 3 litros de água engarrafada junto à bicicleta, a que tenham levantado a mesma a ver quanto pesa, a um convite para jantar e dormir e outro, feito pelo chefe de carabineros, para mandar parar qualquer carro e "ordenar" que me levassem pelo menos na primeira subida (de 19Km) a sul de Cuya.
Rejeito a última proposta mas tudo o resto foi escrupulosamente aceite e cumprido. Tive direito a um tabuleiro inox com compartimentos para massa com carne, salada de tomate com alho, päo, laranja e uma caneca de chá. A superfície de apoio à refeiçäo foi uma mesa de ping-pong.
Estas eram umas antigas instalaçöes de carabineros e os militares só aqui estavam para controlar e manter a ordem durante o dia seguinte, em que haveria a segunda volta de eleiçöes presidenciais. As mesas eleitorais foram colocadas no colégio.
Dormi na sala onde jantei, sobre um colchäo e almofada militares do "Batallon Logistico - Divisionario n. 6 -Pisagua-", de Arica.



Ao lado estava a camarata de soldados cuja espécie parece que näo dorme e desconhece que o botäo do volume do rádio também gira no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Mas cuja simpatia näo tem limites.
De manhä, lá fora ainda escuro porque a hora näo propiciava luz natural, mas já desperto pelos gritos de uma voz tipo Isabel Pantoja a cantar "escucha-me... sin tu amor no puedo más" trazem-me o pequeno-almoço à "cama".
Fico um pouco a conversar com os soldados que ainda näo tinham entrado ao serviço (as urnas já tinham aberto), falamos sobre o consumo dos Unimog e assistimos a uma luta (um pouco provocada pelos moços de ocre) entre um lacrau e um escaravelho.
Dizem que eles foram escolhidos, de todo o batalhäo de Arica, para estar ali pelo seu bom comportamento. E outro diz, a rir, - "imaginate el resto"!
Despeço-me com uma "foto de família" e tenho que recusar mais garrafas de água mineral e um pacote de litro de leite achocolatado (pelo peso).
Muchas gracias a toda la unidad! Gracias Oscar Quina (#1333) por todo apoio y atención!



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"Cargado a tope" dou início a mais um dia "de carretera" sempre antevendo, com a vontade em nível rasante, o momento em que chegaria a subida de 19 Km.



Mais uma vez, puro deserto. Pouco trânsito. O céu nublado, como convém ao périplo (dizem que está assim porque chove na Bolivia).

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E agora, Carlos Tomás, Urânia Sampaio, cheguem-se à frente e expliquem como acontecem estas formaçöes. Näo voltei a encontrar. Demorei-me nas fotos.



Quase a chegar à ponte do rio Chiza encontro alguns turistas argentinos que väo a caminho de Machu-Pichu num Tour com duas carrinhas. Perguntam-me até onde vou e respondo com um encolher de ombros. Uma senhora diz: - "Ay, que hermoso!". (?)
Páro na ponte e decido que a subida näo é para mim. O sol já aquecia como lhe corresponde (tinha feito 22 Km desde Cuya). Vou tentar que me levem.
Pego num punhado de pedras, disponho-as em linha e penso: se for número par, vou ter sorte. Conto 14. O futuro virá de feiçäo.
À quinta carrinha (e p'raí uns 45 minutos, sem sombra)... nada.
Valem-me os geoglifos de Chiza para equilibrar a devastadora visäo da subida que tenho pela frente.


_Geoglifos de Chiza

Os geoglifos de Chiza säo figuras desenhadas pelo agregado de pedras vulcänicas sobre o solo, mais claro, feitas pelos povos pré-colombinos (associados aos anos 1000 a 1400 d.C, época de intenso movimento no local). Representam figuras humanas, animais e símbolos.
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Passados 9Km de ter decidido começar a subir (quando consenti que o teste das pedrinhas valia... o que valia) eis que, sem pedir, pára uma carrinha para me levar.
Viva a fábrica da Hiunday! O concessionário que a vendeu e os jovens que a levavam! (vinham de Arica).



Viajei na caixa com um senhor que tinha votado em Cuya e aí apanhou esta boleia. Vai para Huara, respondendo a uma solicitaçäo de trabalho na empresa que anda a reparar a estrada.
Os rapazes iam para Pisagua e no cruzamento em que deixam a Ruta 5 é onde nos apeamos. Foram uns belos 20 Km à decente velocidade de um veículo näo dependente, quase por inteiro, da energia humana.
Pisagua também seria interessante de visitar. Fica junto ao mar e possui marcos históricos. Sobretudo da história recente. Existe um hotel que foi uma prisäo do tempo da ditadura. Tenho que fazer opçöes e, por enquanto, a Ruta 5, orientada a sul, será o terreno por onde me moverei.
O senhor, companheiro de compartimento (de carga) continua caminhando. É um verdadeiro optimista. Diz que já falta pouco e propöe-se caminhar por 47 Km.
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Tenho credíveis informaçöes de que até Huara já näo há subidas e resolvo ficar um pouco no cruzamento até o sol deixar de estar täo alto.
Junto à "posada" ("posadas" säo lugares para comer, näo dormir, junto às estradas e em lugares isolados) e aproveitando a sua sombra, refrescada pelo vento, dou mais uma fiel e criteriosa demonstraçäo do estilo "espojado".
Pouco tempo estive neste exercício. O senhor da posada veio perguntar se já tinha almoçado e à minha negativa resposta seguiu-se o seu convite.
Estava sozinho, as cozinheiras e o sogro (dono do estabelecimento) tinham ido votar a Camilla. Fez almoço para ele e sugeriu que eu partilhasse o que tinha sobrado.
Era uma rica "cazuela de vacuno" (sopa de carne com vários vegetais), salada (só de cebola temperada) e päo.
A sua verdadeira profissäo era a de camionista. Muito simpático.
Entre outras coisas, contou-me que o deserto está cheio de água no subsolo. Que ali mesmo para encontrar água, doce, basta perfurar a 20m. -"Hay harta água. Para dos mil años!". Explicou-me que os camiöes carregados de verduras que passam por mim, vindos de norte, trazem a produçäo dos vales de Azapa e Lluta (vales férteis junto a Arica).
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O tempo é também de pedal e esta noite será passada em Huara.
Poucos quilómetros depois do cruzamento em que abandonei a boleia e tive täo agradável conversa surge o protagonista deste endereço: o Tamarugo!
Esta espécie resiste a condiçöes muito severas, é endémica do deserto de Atacama e encontra-se protegida. Já foi muito utilizada para fazer carväo, pela dureza da sua madeira. Dizem que "busca el agua", pelo facto de as suas raízes escavarem profundamente até encontrarem alimento.
Este primeiro "bosque" que encontrei já faz parte da reserva "Pampa del Tamarugal".


_O arbusto.


_O fruto (a espécie reproduz-se por sementes)

O solo era todo de caliche, o material de onde se extrai o salitre. É quebradiço e ouvem-se contínuos estalidos, a fragmentar-se.


_O caliche

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Desvio 2Km da Ruta 5 para visitar o sítio histórico da "Batalla de Dolores" que aconteceu durante a Guerra do Pacífico e onde as tropas chilenas derrotaram as aliadas tropas Peruanas/Bolivianas em 1879.




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Em Dolores pude apreciar os furos para captaçäo de água.




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Antes de Huara ainda há lugar para mais uma sesta no deserto (apesar de ser terreno plano, o vento andava a ver até onde ia a minha vontade).



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Cheguei a Huara já ao cair da noite. Soube que tinha ganho Michelle Bachelet e pelo humor dos presentes desconfiei que näo eram apoiantes. Comi uma sandes de "carne mechada" (espécie de bifana) no lugar que me pareceu mais barato.
Esta fotografia foi feita no momento em que saiu o único senhor do restaurante. Era também dono de uma oficina de reparaçäo de pneus. Àquela hora da noite chegou um cliente (da caravana que comemorava a vitória da candidata).



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Dormi na área coberta de um campo de jogos. Näo longe havia uma festa, por Bachelet. Mais uma vez, foi uma noite com música.
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_Imagens de Huara e "vestígios" de campanha.


_Igreja de Huara

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A poucos quilómetros de Huara, no meu dia de viagem a Iquique, encontro as primeiras ruínas do que foi uma oficina salitrera. Este é um dos muitos testemunhos que restam de um intenso período de trabalho no deserto e que constituiu uma das principais fontes de economia chilena, tendo o seu período de glória nos últimos 50 anos do século XIX e primeiros 25 do século passado.
O impulso "salitrero" foi dado pelo alemäo Tadeo Haenke em 1809, com a invençäo de um processo para extrair ao caliche o salitre potássico. Cerca de 1830, o salitre começou a ter uma grande procura por parte da Europa para ser utilizado como fertilizante na agricultura.
Quem näo conheceu os azulejos que diziam "Adubai com Nitrato do Chile"?
Entre os anos 1872 e 1876 já existiam mais de 55 oficinas que estavam principalmente em mäos de peruanos e chilenos.




_Ex-oficina Santiago

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Adiante está, convertida em museu,a ex-oficina de Humberstone, junto ao cruzamento que afasta da Ruta 5 quem se dirige a Iquique, pela A16.
Esta oficina deu início à sua actividade sob o nome de la Palma, em 1872.
Foi vendida ao governo peruano (1877) e de novo resgatada pela companhia privada (The Peruvian Nitrate Company)em 1890.
Em 1932 paraliza a sua actividade devido à crise do sector.
Uma outra companhia torna-se proprietária deste espaço em 1934 e baptiza-a com o nome do seu fundador: Santiago Humberstone.
A partir de entäo e até 1940 alcançou o seu máximo desenvolvimento, chegando a albergar uma populaçäo de 3700 habitantes.
Paralizou completamente as suas actividades em 1960, sendo declarada Monumento Nacional uma década depois.
É possível visitar os espaços (ou o que resta deles) do que terá sido uma enérgica comunidade, com todos os seus serviços (hotel, teatro, biblioteca, piscina, mercado coberto, igreja...).
Em algumas dependências leêm-se escritos de visitantes ex-residentes, esclarecendo quanto à composiçäo familiar que habitou aquele espaço. Por exemplo: "Este fue nuestro living. Hasta el cura Jimenez se ponia a bailar".


_Entrada do complexo


_Fábrica e venda de gelo


_Campo de jogos da escola


_Interior de sala de aula



_Cine-Teatro (totalmente em madeira) e "hall" de entrada


_Piscina (em ferro)


_Campo de ténis


_Coreto


_Interior de habitaçäo de "casados"




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Quando acabo de visitar o complexo museológico dirijo-me à "posada" que está em frente. Constato que já o foi e agora é, somente, a casa de uma senhora e de 5 cäes que me copiam o melhor do estilo horizontal das tardes.
- "Aqui no hay nada. Solo en Iquique. Hasta allá es puro desierto"
Puro deserto entäo terei que vencer (47Km) com as galletitas e a água com memórias de fruto concentrado.
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Pior que o sol abrasador foi o vento que expressou com vivíssima voz a sua intençäo de me moer o juízo em pequenos bocados levando-o de mäos dadas com o ânimo.
Este "crime" de desafiar as forças da natureza acabou por compensar e os últimos 15Km foram feitos a descer (näo estivesse Iquique ao nível do mar).
Aqui cheguei depois de 4 dias em que o corpo só viu a água que ingeriu; o que fez com que me tornasse num poderoso "atractor" de insectos, menores e maiores.
Ainda encontrei forças para procurar um hostal que correspondesse às características do "projecto" (eh!eh!). E muito feliz estou com o achado.
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P.S. Näo me canso de agradecer a todos os que aparecem e se expressam das formas mais bonitas e encorajadoras. Perdoem näo personalizar as respostas que merecem mas este post levou muito mais tempo que o previsto (sobretudo o carregamento das imagens) e a saturaçäo está uns furitos acima do limite. Estou há 7h16m51s, ininterruptamente, neste lugar de internet, abafado entre cortinas.
Este esforço é para vós e espero que continuem adictos de "radio Tamarugo" nas suas emissöes desde "el puro desierto" (que se vai vencendo a golpes de pedal e de bota!).
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Acho que duas ou três palavras aparecem permitindo o acesso a links que näo säo da minha responsabilidade. É um "bug" que näo consigo evitar.