quinta-feira, setembro 27, 2007

Pokhara.


Criancas nepalesas.
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Dia 134, 7463Km. Pokhara, Nepal.
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Felipe Rivera estava certo. La Junta podia encomendar as armas.
A comunicacao entre Los Angeles e a Baixa California estava reposta, encontrando-se o odioso Juan Alvarado com uma faca cravada no peito e, num numero de assaltos a que se perdeu a conta, por final, Rivera derrota Danny Ward no ring.
"The winner take it all". Com 5000 dolares, a revolucao mexicana podia continuar.
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Que faz Felipe Rivera no Nepal? Ja vem da India. Cruzou a fronteira comigo...
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Os dias correm inundados de novidades e o seu acumular, nao reportado, dificulta sempre o arranque do relato.
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Previa 3 dias entre Varanasi e a fronteira com o Nepal. Os calculos estavam errados, por excesso. Nao sabia que esta parte do estado de Uttar Pradesh era, tao claramente, uma zona nao turistica.
O sobrepovoamento e esmagadoramente evidente. A medida que avanco, sou chamado quase de forma permanente. A maior parte das vezes em tom de provocacao e gozo.
Parar, por um infimo segundo, equivale a que se aproxime alguem e que cada um dos meus gestos seja minuciosamente apreciado.
O sentido de propriedade material (sempre tentam tocar em alguma coisa, abrir mais um alforge semi-aberto, experimentar os manipulos das mudancas, travoes, conta Km...) e de espaco fisico nao existe ao nivel individual. O facto de um turista se encontrar em territorio alheio implica obrigatoriamente o despojo da privacidade e que se torne publico cada um dos seus actos e objectos pessoais.
Que recebo em troca? Direccoes erradas (quando pergunto alguma indicacao preferem apontar aleatoriamente a admitir o desconhecimento), tentativas de aproveitamento na inflacao dos valores...
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Os ultimos dias de moncao. India

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Deveria conseguir tolerar de forma mais relaxada e dar tempo a que surjam as excepcoes. Mas nao cheguei la. O tipo de comportamento que consegui ter foi um crescendo na escala de resistencia e nao de aproveitamento de algum tipo de prazer que as etapas me poderiam transmitir; apesar de a paisagem ser muito bonita, sempre verde, com frequentes campos de arroz.
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Senti-me cada vez mais "empurrado" para a fronteira com o Nepal, onde esperava um ambiente mais tranquilo.
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A partir de Varanasi, encontro a primeira noite em Mau.
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Pequeno-almoco, depois de Mau.

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No segundo dia, aproveitando que a motivacao e a forma fisica estavam para dar a volta ao mundo (e para sair deste canto de Uttar Pradesh...) pedalo mais de 200Km. Um quarto dos quais foi feito sob a luz natural da lua (que sossego...).
Nesses ultimos Km's desfruto realmente.
O luar esta forte e consigo perceber bem a estrada.
Nao ha transito algum.
Escuto o cantar de varios insectos e vejo as fugazes luzes de muitos pirilampos que ora voam ora cintilam nas copas das arvores mais altas dando-lhes um aspecto de "pinheiro de Natal". Nunca tinha assistido a tal fenomeno e realizo mais uma vez que momentos como este nao tem preco nem se podem incluir em nenhum pacote turistico. E de novo uma das boas surpresas que me traz a viagem em bicicleta.
Chego a Sunauli quase a meia-noite. Estou demasiado cansado para passar a fronteira, tratar das formalidades, etc.
Instalo-me no ultimo hotel do lado indiano, a excassos metros do portao que interrompe a rua principal de Sunauli, definindo o limite entre os dois paises.
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Na manha seguinte abordo a fronteira. Do mais simples que existe. O "immigration office" indiano e tao lateral e discreto que quase nao se da por ele. Ai recebem-me de forma muito simpatica e breve. Carimbo de saida e ja esta.
Do lado nepales, compro um visto que me permite uma estadia de 2 meses (30 dolares). Processo igualmente rapido.
Nepaleses e indianos circulam de forma livre, sem nenhum controlo. Esta mesma ausencia se estende aos turistas. Nenhum dos meus processos foi verificado.
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O Nepal e realmente mais tranquilo. Recupero os padroes de privacidade que desejo, notando tambem que o recurso as buzinas decai de forma drastica. Na India, parece que assistimos constantemente a final do campeonato de cricket mais importante da temporada ou que terminou a contagem dos votos para a eleicao presidencial e esta dado o inicio para a celebracao.
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Pedalo ate Lumbini, a cerca de 30Km.
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Lumbini e tido como o lugar de nascimento de Siddharta Gautama, fundador do Budismo.
A maior evidencia trata-se de um pilar, inscrito, colocado pelo imperador indiano Ashoka no sec. III a.C. aquando da sua visita em peregrinacao ao lugar de nascimento de Buda.
Junto a este monumento esta um tanque onde se afirma que Maya Devi se banhou momentos antes de dar a luz.
O enquadramento esta completo no dominio, por varios hectares, do Lumbini Garden onde existem diversos templos budistas, pertencentes a numerosos paises.
Faz muito calor. Aprecio a tranquilidade do jardim e as suas sombras.
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Lumbini Garden.


Ashoka Pillar.


Pedra que assinala o lugar de nascimento de Buda. Lumbini.

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Apos a noite, o corpo elucida-me quanto aos seus limites. Acusa o excesso de quilometragem (afinal, o risco de quebra nao e exclusivo da corrente...), o calor e a alimentacao demasiado repetida e ja pouco desejada.
Uma manha febril, completamente ausente de forcas, uma tarde a recuperar de forma lenta mas progressiva, uma noite sem novidade e... volto a pedalar no dia seguinte.
Nao avanco muito, pouco mais de 50Km. O corpo ainda nao esta pelos ajustes.
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Paro em Butwal. Tenho que comer mas nao ha absolutamente nada, disponivel, que me apeteca. Sei que se chegar a Pokhara (a 170Km) estou salvo.
Sendo um lugar muito mais turistico, a oferta e variada.
Continuo a apreciar muito o povo nepales. Simpatico, hospitaleiro, tranquilo e delicado.
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O ritmo mantem-se lento e a progressao nao acumula grandes distancias.
As montanhas comecaram exactamente a saida de Butwal. A paisagem e fascinante. O verde domina, junto com a agua que corre nas paredes junto a estrada e no generoso rio que preenche o vale.
Ao fim de 42Km paro em Tansen. Desde manha que chove.
Encontro nesta encantadora vila a pausa do dia.
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Entre Butwal e Tansen.


Bus Stand em Tansen.



Tansen.

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A chuva ininterrupta, dia e noite, aumentando de intensidade, tinge o animo com novos tons de fraqueza e decido descansar outro dia. Com imensa pena, nao visito Tansen na forma que merece. Por casualidade, conheco o rapaz que trabalha no posto de turismo enquanto compro bananas numa loja. Fala-me da historia da vila e dos seus lugares mais interessantes. A chuva nao me permite explorar muito nem registar convenientemente.
Acabo por passar mais tempo na agradavel companhia de um belo e grosso livro de contos de Jack London que comprei em Varanasi. E nestas paginas que, entre outros personagens, vive Felipe Rivera...
Nas suas historias, frequentemente o homem vive em desafio extremo com a natureza. Talvez tambem ai tenha encontrado materia para a decisao de voltar a sair na proxima manha, virando costas a meteorologia e ao nivel, ainda nao reposto, das forcas que a montanha pedia.
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Nao parou de chover durante toda a noite. Este e o tempo ha mais de 48h.
Pokhara esta a 130Km. Chegarei?
O enquadramento continua magnifico. Campos onde o arroz cresce com determinada verticalidade trazem aos olhos o verde mais intenso.
Encontro varias povoacoes. Alimento-me de bananas e uma especie de massa frita em forma de donuts.
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A caminho de Pokhara.

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O terreno nunca e plano. Ora sobe ora desce, quase sempre sendo a inflexao antecipada por uma placa de "bridge ahead".
Continuo determinado a encontrar Pokhara apesar de perceber (embora practicamente nao pare de pedalar em todo o dia) de que serei recebido pelas suas luzes.
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Assim foi. Chego a Pokhara ja a noite tinha caido.
Desde o inicio da tarde que a chuva se tornou intermitente e, para o final, chego a encontrar pequenos pedacos do tao almejado azul do ceu.
Exactamente como desejei, janto no primeiro restaurante onde encontro comida continental.
Nao podia estar mais satisfeito. Tinha cumprido o desafio (neste caso, tambem uma pequena questao de sobrevivencia digestiva) e o tempo tinha melhorado.
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A partir de Pokhara, num dia claro, podem apreciar-se as melhores vistas para os picos da "Annapurna Range". Esta e a porta de acesso para algumas das principais e conhecidas rotas de trekking.
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A parte da povoacao onde me encontro e chamada de Lakeside. Deve o seu nome ao lago Phewa (o segundo maior lago do Nepal).
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Lago Phewa.

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Existem centenas de Guest Houses, restaurantes em cada outra porta com todo o tipo de menus, lojas com roupa tecnica para as actividades propostas por inumeras agencias, boas livrarias com tao interessantes titulos de montanhismo que me trazem pena nao caberem ja nos dois parcos alforges.
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Pokhara.

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Avancando um pouco para alem da povoacao, pela estrada que circunda o lago, percebo que a vida tradicional se encontra logo apos esta area dominada pelo desenvolvimento turistico. Aprecia-se na forma de extensas plantacoes de arroz com as gentes trabalhando na sua colheita e transportando-a em dokos (cestos de cana carregados as costas e suportados por uma tira a volta da cabeca), pescadores navegando em barcos muito simples, bufalos lamacentos...
So em 1950, com a erradicacao da malaria, se tornou seguro viver aqui e as estradas, permitindo a ligacao com Kathmandu e a fronteira indiana, foram apenas construidas em 1970.
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A chuva voltou e veste-se do mesmo caracter persistente. Infelizmente, os dias nao estao claros na medida necessaria a apreciar as vistas dos picos. Num dia limpo, poderia faze-lo, ganhando em altitude tanto quanto em plano privilegiado a partir da aldeia de Sarangkot, a cerca de 7Km.
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A conta de pratos italianos, lassis de banana e ananas (batidos com iogurte) ja me sinto restabelecido.
Amanha volto a estrada.
Encaminho-me para o Royal Chitwan National Park onde tenho encontro marcado com rinocerontes, elefantes, tigres e leopardos.
Sera o ultimo desvio antes do lendario lugar, presente ha decadas no lexico de viajantes: Kathmandu.
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A todos, um grande abraco.

12 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá meu amor!
Só depois de ouvir-te, é que ficamos realmente tranquilos.São tantos os obstáculos que tens que ultrapassar e igualmente vencidos,que já fazem de ti o verdadeiro herói deste "jornal".
Que a "tal"estrelinha continue a guiar-te até ao fim desta odisseia!Não há dúvida que já te tornaste um exemplo de persistência, determinaçâo,´denunciando a tua enorme riqueza interior.Não nos resta dúvidas´,portanto,que já poderias ter ajudado muita gente...
E que mais haverá para dizer-te?...Que queremos sentir-te
sempre feliz e realizado.
Um grande,enorme beijo dos cotas

5:55 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Podes sempre ir cantarolando o "Who'll Stop The Rain" dos Creedence! Tu costumas cantar em pensamento quando pedalas?
Nós estamos por aqui...a ler-te e à tua espera.

beijo bom da ana t e do pita
e toma lá também uma lambidela do bowie

5:57 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Olá João,
Que todas as estrelinhas do universo guiem o nosso querido amigo até ao fim desta "grandiosa pedalada".Continuação de uma boa viagem e um grande abraço dos amigos: São e Luis

6:50 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

João,
Mais uma vez atento aos relatos e a tentar imaginar, apenas tentar, o esforço e os obstáculos que tens ultrapassado. Que sigas até ao destino e que retires o máximo desta tua experiência e o muito obrigado pelos teus relatos.
Grande Abraço.
Nuno Marzia.

9:44 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Olá, João Rivera|
Hoje deixei o meu comentário para mais tarde. Coisas de fim de semana, para quem tem que fazer uns insignificantes 140 Km em automóvel... Eis-me, pois, em terras alentejanas.
Verdadeiramente já não me posso espantar com mais um relato de várias etapas cheias de obstáculos e não menos motivos de interesse para este viajante solitário. De facto não estás só, tantas são as vontades que te empurram, os olhos que te lêem...
É tudo isto que me faz ir várias vezes por dia ao Tamarugo, ver se tens alguma coisa para nos dizer.E é sempre tão bonito o que nos contas!
Bom resto de viagem, meu amor. Os beijinhos do costume.
Tia

1:14 da tarde  
Blogger tbento said...

João, para uma amante confessa das viagens nos pedais e da boa escrita, o teu "livro" virtual é um verdadeiro consolo para a alma.
Pudesses acrescentar-lhe sons e cheiros e teríamos um caso (mais) sério de adicção...
Continuação de dias felizes para ti!

"Vento na cara e pés nos pedais"
Teresa Bento (da ex-equipa da carta do lazer...lembras-te?)
PS - É uma pena a minha máquina do teletransporte estar avariada neste momento....

3:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Hey, Joshua!

Estava a ver que não arranjavas maneira de apanhar uma valente molha...

abraços dos grandes

3:45 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Heya!

Seria estranho se conseguisses "escapar" a toda a chuva! Questiono-me se esta não será "castigo" pelas constantes buzinadelas e pela curiosidade sem fim do povo indiano que tão frequentemente descreves.
Espero que já estejas totalmente restabelecido (física e gastronomicamente) e que daqui para a frente tenhas como pano de fundo um céu azul.

Boas pedaladas! Abraço.

7:22 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Olá João
tem sido muito pedalar muita chuva e alguma fomita não é verdade?
Mas têm valido alguma coisa pois o que tens visto é muito importante.
As comiditas às vezes até são um pouco para o esquisito mas com a tua boa vontade tudo se ultrapassa.
Tudo de bom até ao final da tua grande aventura.
Bjos da amiga

Setembrina

8:04 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Hola Joao ChowMein.
Como siempre muy precisos los comentarios de radio Tamarugo, tan es así, que siempre nos hacés transportar hasta allí por unos minutos y salir de la oficina. Excelente la cobertura de la radio.
Sigue así!!!!.
Un abrazo
Gaby y Daniel

11:05 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Olá João!
Só a semana passada soube da tua viagem e da existencia da rádio Tamarugo pela Carla. Como ainda não aderimos às novas tecnologias lá em casa, tive que aguardar por uma vinda até Lagos (a casa dos meus pais) para poder aceder aos teus magníficos relatos e imagens.
Perdi a conta às horas seguidas a que estou em frente ao ecrãn a "devorar" as tuas aventuras! Parabéns pela tua coragem, perseverança e enorme coração!Continuação de uma excelente viagem! Um beijo grande. Noelma.

6:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Sparrow,

regressei aos teus caminhos... que fotos! A pegada do tigre!!! sempre é mais interessante que o "bobcat poop" que eu fotografei:)
Deves estar cansado..espero que as maravilhas te tragam toda a energia que necessitas.

um beijo
cotovia

12:41 da manhã  

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